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O dinheiro sujo na cueca do senador

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Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
César Dario Mariano da Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Poucas pessoas sabem que o funcionário público, dentre eles o detentor de mandato eletivo, é obrigado a apresentar, anualmente, declaração de bens. Nela, todo o patrimônio deve estar declarado. A obrigação vem prevista no artigo 13 da Lei nº 8.429/1992.

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Uma das formas de verificar a incompatibilidade do patrimônio do funcionário público com seus rendimentos é por meio da declaração de bens, que pode ser substituída pela declaração do imposto de renda, onde seus bens também são declarados.

A incompatibilidade do patrimônio com os rendimentos do funcionário público configura ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito, cuja infração está prevista no artigo 9º, inciso VII, da Lei nº 8.429/1992, que pode acarretar a propositura de ação de responsabilização civil pela prática de ato de improbidade administrativa, cuja sanção pode acarretar a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos (art. 12, I, da Lei nº 8.429/1992).

Para a configuração dessa infração de natureza civil não se faz necessária prova de nenhum delito anterior, como corrupção ou outro do gênero. Basta, apenas, que se demonstre a incompatibilidade entre os bens, direitos e valores do funcionário público com seus rendimentos.

Normalmente, a investigação para a apuração dessa infração se inicia quando há os chamados sinais exteriores de riqueza, como a compra de imóveis, automóveis, barcos e até mesmo aeronaves por quem não teria condições financeiras de fazê-lo.

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Um dos grandes problemas para a prova de crime em razão do enriquecimento sem causa é que à acusação cabe demonstrar que esses bens, direitos e valores são produto de infração penal, o que já não ocorre com o ato de improbidade administrativa, que apenas exige a incompatibilidade entre o patrimônio (bens móveis e imóveis) do funcionário público investigado com seus rendimentos líquidos e lícitos de qualquer espécie (vencimentos na área pública e privada, doações, herança etc).

Pelo sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova, cabe ao investigado ou demandado comprovar satisfatoriamente que com seus vencimentos ou de qualquer outro modo lícito tornou-se proprietário dos bens, direitos e valores (art. 373, inciso II, do CPC).

Por isso, no caso do dinheiro na cueca do senador, caberá a ele comprovar de onde o numerário surgiu e que teria condições de ter consigo aquela quantia. No caso de o valor não estar declarado na declaração de bens ou no seu imposto de renda, é forte prova de que sua origem é ilícita, até porque dificilmente alguém guarda em casa grande quantia em espécie.

Por outro lado, o simples fato de constar bens ou valores na declaração de bens não implica necessariamente a licitude deles, que, no caso de investigação ou processo, necessitará ser demonstrada a origem lícita, uma vez que é comum a declaração sem que haja a fonte dos recursos. Ademais, não raras vezes se declara a guarda de valores na residência para que, no caso de flagrante delito, haver a justificativa, quando, na realidade, aquele dinheiro é gasto e reposto com o produto de ilícitos.

É punido com a pena de demissão o funcionário público que se nega a prestar a declaração de bens, no prazo determinado, ou a falsifica, podendo, até mesmo por decisão do próprio Senado Federal, ser cassado o mandato do senador por conduta incompatível com o exercício de suas funções parlamentares (falta de decoro parlamentar), sem prejuízo da propositura da ação de responsabilização civil pela prática de ato de improbidade administrativa e de ação penal por crime, que pode ser, em regra, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, desde que presentes suas elementares.

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Cuida-se de conduta de suma gravidade, notadamente por haver indícios de que esse dinheiro foi desviado da área da saúde, justamente para o combate da Covid-19, que já causou cerca de 150.000 mortes no Brasil.

Condutas desse tipo devem ser punidas de forma severa, tanto na esfera penal, quanto na civil e administrativa, sendo possível o afastamento cautelar do parlamentar de suas funções, o que, aliás, já foi corretamente determinado pelo Supremo Tribunal Federal, cabendo ao Senado Federal referendar e concretizar o ato.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor Universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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