
Na última sexta-feira, 9 de setembro, a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou Agravo Regimental cumulado com pedido de reconsideração da decisão do Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), visando a anulação das medidas cautelares decretadas em face de oito empresários apoiadores do governo Bolsonaro, que trocaram mensagens - supostamente golpistas - em grupo do aplicativo Whatsapp.
O Agravo Regimental foi interposto contando-se o prazo regimental de cinco dias a partir do dia 5 de setembro, já que os autos respectivos ingressaram pela primeira vez na PGR no dia 2 de setembro (sexta-feira), iniciando-se, portanto, o prazo recursal a partir do primeiro dia útil subsequente (5 de setembro).
Sem sequer adentrar nas razões de mérito do Agravo Regimental interposto, S.Exa. o Ministro Alexandre de Moraes, Relator da operação deflagrada em face dos aludidos empresários (PET 10.543/DF), houve por bem não conhecer do recurso em razão da sua suposta "manifesta intempestividade".
Com o devido respeito e a admiração que nutrimos pelo culto Ministro Alexandre de Moraes, entendemos que sua decisão, quanto à intempestividade do Agravo Regimental da PGR, encontra-se equivocada.
Entende o Ministro Alexandre de Moraes que a PGR teria sido intimada no dia 22 de agosto acerca da decisão que decretou as medidas cautelares, mediante envio de cópia simples e certificação de sua entrega junto à Assessoria de Apoio aos Membros da PGR no STF. Posteriormente, a cópia da mesma decisão teria sido encaminhada ao gabinete da Vice-Procuradora-Geral da República com carimbo de recebimento às 16h40min do mesmo dia.
O equívoco, com renovada vênia, da decisão do Ministro Alexandre de Moraes consiste justamente no fato de que, muito embora exista jurisprudência do STF admitindo que a intimação pessoal do Procurador da República possa ocorrer por mandado ou pela entrega dos autos no setor administrativo do Ministério Público, admitindo-se em caráter excepcional a "aposição do ciente", não se admite a intimação por meio da entrega de mera cópia da decisão; exige-se a carga DOS AUTOS ou a recepção DOS AUTOS respectivos.
Nos termos do artigo 18, II, h, da Lei Complementar nº 75/1993, é prerrogativa processual do Ministério Público da União "receber intimação pessoalmente NOS AUTOS em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar." (destacamos a expressão "nos autos")
Veja-se que o dispositivo legal menciona intimação pessoal NOS AUTOS, o que é completamente diferente do que receber uma mera cópia de uma decisão desacompanhada DOS AUTOS respectivos.
Curioso observar que nesse caso tanto a PGR como o Ministro Relator colacionaram em suas peças o mesmo julgado do STF, atribuindo-lhe interpretações diametralmente opostas:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MOMENTO DE OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
- Na linha do julgamento do HC 83.255 (rel. min. Marco Aurélio), a intimação pessoal do Ministério Público se dá com a carga DOS AUTOS na secretaria do Parquet.
- Se houver divergência entre a data de entrada DOS AUTOS no Ministério Público e a do "ciente" aposto NOS AUTOS, prevalece, para fins de recurso, aquela primeira.
- Ordem concedida, para cassar o acórdão atacado." (HC 83.821, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Primeira Turma, DJ 6/8/2004, destacamos da Ementa acima as expressões "dos autos" e "nos autos")
Não se discute que a formalidade fica suprida com a entrada dos autos no Ministério Público, mas, repete-se aqui, a entrada é a DOS AUTOS; e não de mera cópia de decisão desacompanhada dos demais elementos que permitam ao Parquet a sua contestação e a regular elaboração do respectivo recurso.
Nesse ponto, merecem destaque os seguintes trechos do Agravo Regimental apresentado pela PGR e subscrito pela Dra. Lindôra Maria Araujo, Vice-Procuradora-Geral da República, a confirmar, com a devida vênia, o equívoco da decisão do Ministro Relator quanto à suposta intempestividade:
"A intimação da Procuradoria-Geral da República deve, impreterivelmente, observar a prerrogativa legal estatuída no art. 18, II, h, da Lei Complementar 75/1993, não podendo ser suprida por outros meios não previstos em lei, já que a vista dos autos é imprescindível para a compreensão integral dos elementos já documentados no procedimento apuratório e da exata extensão da decisão judicial, bem como para assegurar o necessário controle, especialmente quando envolve restrição de direitos fundamentais, e a efetiva participação no curso procedimental, além de viabilizar a pretensão recursal do Parquet (art. 5o, LIV e LV, c/c art. 129, I e VIII, CF).
A inobservância da referida prerrogativa institucional impede o completo e devido exercício do mister funcional pelo Ministério Público Federal, assim como obsta o início do prazo para a interposição de recurso, na medida em que somente a partir do conhecimento integral dos autos é possível assegurar o pleno exercício do direito recursal."
E, ainda, em conclusão:
"É importante esclarecer que os autos em questão nunca adentraram no órgão ministerial em período anterior, de modo que a remessa de uma cópia avulsa de decisão que decretou diversas medidas restritivas de direitos fundamentais, no bojo de uma investigação que o Parquet sequer sabia de sua existência, inviabilizou o pleno conhecimento dos fatos, a origem da instauração da apuração e os elementos que levaram à tomada de decisão."
Por tais razões e mostrando-se indiscutível que OS AUTOS (e não mera cópia da decisão) jamais adentraram em período anterior a 2 de setembro (sexta-feira) junto ao Ministério Público ainda que por seu setor administrativo (circunstância essa também não refutada pela decisão do Ministro Alexandre de Moraes), é que entendemos ser necessária a revisão dessa decisão - a nosso ver equivocada, com o devido respeito - pela Primeira Turma do STF ou seu Plenário, a fim de que o Agravo Regimental da PGR possa ser conhecido.
*Marcelo Knopfelmacher, advogado criminalista, sócio do escritório Knopfelmacher, Locke Cavalcanti Advogados em São Paulo, Brasil, e diretor da empresa de consultoria internacional Brics Strategic Solutions em Londres, Reino Unido