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Opinião | O futuro do movimento ambiental: adaptação ou estagnação?

Em vez de polarizar a discussão entre políticas de cima para baixo ou de baixo para cima, a verdadeira eficácia das ações ambientais dependerá da combinação e colaboração desses esforços

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convidado
Por Ricardo Esturaro

O movimento ambiental global enfrenta um momento decisivo, pressionado por mudanças políticas e desafios globais. O retorno de Donald Trump ao poder em 2024, em um contexto de ampla adesão popular, e a perda de força do Partido Verde na União Europeia expõem uma realidade desconcertante: a crise climática não é prioridade para grande parte da população. Esse cenário não é apenas um reflexo do distanciamento crescente entre as pautas ambientais e a agenda política de muitos países, mas também um sintoma de um movimento ambiental que precisa se reinventar para continuar relevante.

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O problema não é novo, mas se torna cada vez mais urgente: por décadas, o multilateralismo foi a base das ações climáticas do movimento ambiental, com acordos internacionais funcionando como ferramentas para unir países em torno de um objetivo comum: combater problemas que, por sua própria natureza, ignoram fronteiras. No entanto, o cenário atual exige uma reflexão profunda sobre a eficácia dessas estratégias e requer uma reformulação urgente para que o movimento não perca relevância diante de um quadro cada vez mais complexo.

Um dos principais problemas é a comunicação. Tradicionalmente, as discussões sobre meio ambiente ainda são voltadas para um público restrito de especialistas, deixando a maior parte da população à margem do debate. Para alcançar resultados concretos e eficazes, o movimento precisa abandonar o jargão técnico e começar a falar a língua das pessoas comuns. O desafio é traduzir a complexidade dos problemas ambientais em ações práticas que possam, de fato, melhorar a vida de quem não faz parte do debate especializado.

O novo mantra deve ser: “agir globalmente, mas também ser relevante localmente”. Em vez de depender exclusivamente de acordos internacionais, a pauta ambiental precisa ser adaptada às realidades locais. A população precisa se sentir parte do problema e também da solução. Ela precisa entrar nas casas das pessoas, sem abrir mão de uma agenda global coordenada.

Outro ponto crucial dessa reinvenção está na relação com o setor privado. Por muito tempo, o movimento ambiental concentrou sua estratégia e comunicação na alta cúpula corporativa, com o objetivo de convencer CEOs e grandes líderes a adotarem práticas mais sustentáveis. Contudo, a maior parte das decisões que impactam a sustentabilidade acontecem no chão de fábrica, nas mãos da média gerência e dos operários. Por isso, é essencial que o movimento ofereça soluções práticas e acessíveis para esse público, abordando questões como eficiência energética, economia circular e redução de desperdícios. O objetivo deve ser tornar essas ações simples, diretas e aplicáveis ao cotidiano das empresas e de seus trabalhadores.

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É igualmente essencial renovar os quadros do movimento ambiental com profissionais que tragam novas competências, que possam atuar em um cenário cada vez mais dinâmico e integrado ao mundo dos negócios. O exemplo da COP28, realizada em Dubai em 2023, ilustra bem esse desafio. A conferência, marcada por um número recorde de lobistas da indústria de combustíveis fósseis, mostrou como as negociações sobre transição energética estão profundamente influenciadas por interesses econômicos globais. Embora a declaração final da conferência tenha sido considerada “histórica” por mencionar a transição energética, o consumo de petróleo em 2024 continuou a crescer, sem sinais claros de mudança no curto prazo.

O mesmo padrão se repetiu em 2024, durante as discussões da ONU na Coreia do Sul, onde, após dois anos de negociações, o debate sobre a poluição causada por plásticos não avançou, principalmente devido à resistência dos grandes produtores de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia. Esse impasse ilustra como as negociações internacionais continuam reféns dos interesses da cadeia de combustíveis fósseis, e como, apesar das declarações, mudanças reais parecem cada vez mais difíceis de implementar.

Nesse contexto, a reinvenção do movimento ambiental se torna urgente e inadiável. O sucesso não virá do abandono do multilateralismo, mas da capacidade de adaptá-lo às novas realidades globais. É fundamental incluir profissionais do mercado, com experiência em comunicação, indústria de consumo e energia, que possam conectar a agenda ambiental com as necessidades reais da sociedade e da economia. Em vez de polarizar a discussão entre políticas de cima para baixo ou de baixo para cima, a verdadeira eficácia das ações ambientais dependerá da combinação e colaboração desses esforços. O futuro do movimento ambiental precisa ser moldado por um reposicionamento estratégico, que o torne mais relevante, acessível e eficaz na construção de um futuro sustentável para todos.

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Ricardo Esturaro
Escritor e administrador de empresas. Vencedor do prêmio Jabuti 2024, categoria Negócios. CEO da startup IkiGaia e da ONG Polinizar Educação. Foto: Arquivo pessoal
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