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O gado já teve sua vez

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

O problema do desmatamento da Amazônia e dos demais biomas, além de ser ambientalmente nefasto, é prejudicial à economia e à reputação brasileira. Por isso, todas as declarações de que o Brasil agora vai levar a sério seus compromissos internacionais e vai zerar o desmatamento não surtirão efeito, se não houver um convencimento dos pecuaristas.

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É a ciência que reconhece a inviabilidade da pecuária no bioma chamado Amazônia Legal. A criação de gado é uma atividade que representa baixíssima produtividade e gera grave impacto ecológico.

Além de vozes autorizadas que já têm afirmado esse fato, o professor José Alexandre Scheinkman, que é tanto brasileiro - pois nasceu no Rio de Janeiro - mas americano, já que vive e ensina em Universidade ianque, reafirmou recentemente que o reflorestamento é mais rentável do que a criação de gado.

Foi o que João Moreira Salles já deixou claro no livro "Arrabalde", que todos os brasileiros deveriam ler e com proveito imenso para o que ocorrerá nos próximos anos. É urgente repensar a vocação econômico-ecológica dos biomas brasileiros. Embora o Brasil tenha mais gado do que gente, essa tendência está em reversão. Os Estados Unidos, que se  antecipam ao futuro e procuram mapear as próximas décadas, sabem que nos próximos anos a proteína animal será substituída com vantagens. Para isso se pesquisa e se investe bastante.

Juntamente com o professor Juliano Assunção, da PUC do Rio de Janeiro e com o Nobel de Economia da Universidade de Chicago, Lars Hansen, o Professor Scheinkman elaborou cálculos preliminares em que se apurou que, se o Brasil fosse compensado em vinte dólares por tonelada de carbono, muitas atividades econômicas hoje desenvolvidas na Amazônia deixariam de ser lucrativas. Os cálculos são evidentes e os números não erram: é melhor reflorestar do que criar gado bovino.

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A baixa produtividade já é sentida pelos pecuaristas. Tanto que os mais inteligentes confinam suas cabeças e, com investimento menor, conseguem melhor resultado. O que geralmente ocorre na Amazônia é o desmatamento, o incêndio, por parte de criminosos que se apropriam de terras públicas, diante do descalabro que é a irregularidade fundiária na região. Em seguida, jogam algumas cabeças de gado ali, para mostrar que a terra "tem dono".

A baixa produtividade mantém os trabalhadores em condições indignas. Quem atua como peão no setor, quase todo informal, ganha menos do que um salário mínimo, de acordo com a Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE.

É tão baixa a produtividade, que em seguida a área desmatada é abandonada. Os criminosos se sentiram convictos de que não haveria punição. Esfacelamento das estruturas de fiscalização e controle, punição dos bons funcionários, anistia para os dendroclastas. Foi isso o que o Brasil assistiu nos últimos anos.

Só que o mundo inteiro sabe o valor da Amazônia. Sua diversidade biológica é um potencial de imensos recursos financeiros, que poderão provir de investidores preocupados com a devastação. Mais pesquisa, mais diversificação nas atividades, mais curiosidade na descoberta de riquezas que o Brasil ignorou e que continua a desconhecer.

Além de assegurar desmatamento zero, o governo precisa reflorestar. Recorrer à iniciativa privada. Aceitar a colaboração de empresas e de governos estrangeiros, porque a Amazônia é patrimônio universal, privilegiadamente situada em sua maior parte em território brasileiro.

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Mas, antes de tudo, convencer o pecuarista de que se ele recompuser o pasto abandonado, se fizer o replantio de espécies nativas, ganhará muito mais do que criar gado. E como o que interessa para muita gente é dinheiro, essa a porta pela qual - paradoxalmente - o Brasil terá uma chance de deixar a condição de "Pária Ambiental" e de retomar o caminho correto, saudável e compatível com a vontade fundante, pois o artigo 225 da Constituição da República está ali para comprovar o compromisso dos brasileiros com a preservação ecológica.

O gado já teve sua vez. Agora é pensar naquilo que, além de ser mais rentável, é ainda o correto a se fazer com a natureza degradada, vítima indefesa da ganância dos ignorantes.

*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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