Somos o 124º país em burocracia, de acordo com o Banco Mundial. Esse cenário reflete o atraso interno. Somos um dos maiores exportadores de produtos de baixo valor agregado, como grãos e minério de ferro, e um dos maiores importadores de produtos industrializados.
Apesar de novos desafios à ciência em meio à pandemia e da existência do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, desde 2016, burocratas da máquina pública continuam travando projetos de pesquisa em função de meros centavos de reais. São valores pífios que se desencontram de projetos e que, consequentemente, são utilizados como argumentos para atrasar o andamento da pesquisa científica e tecnológica do País.
Há seis anos, um projeto, avaliado em R$ 4 milhões, havia sido parado em razão de 83 centavos de reais, embora o foco era encontrar uma solução inovadora para um problema técnico da Petrobras. Para resolvê-lo, a empresa contratou uma das melhores universidades públicas do País, a COPPE da UFRJ. Tradicionalmente, a estatal investe cerca de 1 bilhão de reais por ano em pesquisa, uma obrigação legal. Caso não faça, pode ser multada ou ter outras penalidades pela Agencia Nacional de Petróleo (ANP). Contudo, estaria dando um tiro no próprio pé ao travar a pesquisa.
A cobrança era feita à Fundação COPPETEC, gestora do projeto e como requisito para liberar a 4ª parcela e última no valor de 358.340,00 reais. O atraso implicaria em não pagamento das equipes e de outros itens de custeio cujo prejuízo resvalaria para a própria estatal.
Na época, fomos convidados a falar à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sobre os gargalos da pesquisa. Nessa reunião, em 18 de dezembro de 2016, gravada para os anais da casa, denunciei esse caso como um dos piores e intransponíveis obstáculos para a pesquisa nacional. A burocracia renitente.
O tempo passou. A empresa continuou a financiar pesquisa, como manda a Lei 9.478/97. Este ano, passados seis anos da denúncia, sob a égide do Marco Legal da Inovação que deveria flexibilizar a pesquisa brasileira, a burocracia mostra-se viva. Há de fato um exercício kafkiano de prestar contas dos projetos.
Todos os dias as fundações de apoio de universidade pública e institutos federais de ensino e pesquisa enfrentam esse e outros desatinos pelos quais passam os projetos de pesquisa.
Recentemente, um dos órgãos do sistema de controle, que deveria assessorar as entidades públicas, deu parecer contra a Universidade prestar serviços técnicos à sociedade sem que primeiro vença o monstro da burocracia. Qualquer um desiste de obter um simples teste ou ensaio. Pior, o monstro se baseia na legislação que flexibilizaria a pesquisa, a Lei 10.973.
Com isso, alimenta-se a mistificação de que a universidade pública é uma torre de marfim. Inalcançável pela empresa ou governo quando essa requer um simples teste de laboratório. Para a universidade, tais serviços serve para treinar alunos e alimentar os laboratórios com pequenas quantias para sobreviver aos cortes sucessivos do orçamento de custeio. Se isso é uma teoria da conspiração, não sabemos, mas que parece, não tenha dúvida. Corta-se o suprimento e se pede para essa entidade fazer algo pela sociedade. Beira ao cinismo...
Depois de seis anos, o monstro burocrático continua vivo. No início deste ano fomos surpreendidos por outro projeto da mesma empresa. O fluxo de recursos foi interrompido em razão de uma cobrança de 97 centavos de um projeto de 4,4 milhões de reais sobre a integridade de sistemas de produção de petróleo no mar. Essa é uma cobrança que parece um verdadeiro insulto à inteligência de um cidadão. Afinal, gastar 320 reais em horas dispendidas pela Fundação para devolver 97 centavos, não tem sentido algum.
Transcrevo a sentença burocrática do orgulhoso burocrata:.... identificamos valores devolvidos à conta do projeto, porém os juros foram calculados até 15/02/2022 (sic), e a devolução ocorreu em 21/02/2022. Restituir (sic)97 centavos ao convênio, com juros e correção monetária, e enviar extrato de conta corrente demonstrando o crédito do valor, com a memória de cálculo dos juros ressarcidos..... Ao lado, a inscrição do benfeitor: Falta grave!
*Fernando Peregrino, diretor da COPPETEC (Fundação de Apoio à UFRJ). Presidente do CONFIES (Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica)
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