Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | O problema do excesso de leis: reflexões sobre a decadência ética da sociedade

É essencial que os legisladores adotem uma postura mais criteriosa ao criar normas. É preciso perguntar: ela resolve um problema real? Ou apenas cobre a ponta do iceberg? Há ações mais efetivas que devem ser conjugadas com a criação legislativa?

PUBLICIDADE

convidado
Por Bruno de Oliveira Mendes

Vivemos em uma época em que as leis se multiplicam com a velocidade de cliques e assinaturas. Em um cenário onde tudo parece exigir regulação, da convivência digital aos gestos mais cotidianos, é pertinente questionar se essa proliferação normativa reflete um avanço ou uma decadência da sociedade. Não há dúvida de que as leis desempenham um papel fundamental na organização social, mas seria o excesso de normas um sintoma de um problema mais profundo? Talvez, mais do que indicar progresso, ele aponte para uma falência ética.

PUBLICIDADE

O Papel Essencial das Leis

Desde os primórdios das civilizações, as leis se mostraram indispensáveis para a manutenção da ordem e promoção da justiça. Não existe nenhuma sociedade humana que não tenha normas de conduta, que não tenha leis. Do Código de Hamurabi à Constituição Federal, as normas são a espinha dorsal que sustenta as sociedades. Elas garantem direitos, delimitam responsabilidades e criam um sistema de consequências para aqueles que violam as regras. Sem leis, restaria apenas uma sociedade regida pela arbitrariedade e pelo caos.

Além disso, a legislação tem sido uma ferramenta crucial para corrigir desigualdades e promover avanços sociais. Basta pensar nas leis que combatem o racismo, que protegem os direitos do consumidor e que tentam mitigar o impacto ambiental. Cada nova lei, em teoria, representa um passo em direção a um mundo mais justo.

O Excesso de Leis e a Crise Ética

Publicidade

Contudo, existe um outro lado da moeda que precisa ser analisado. Se, por um lado, o grande número de leis garante direitos e representa proteção para um número maior de pessoas, de outro, seu excesso revela algo preocupante sobre nós enquanto sociedade. A proliferação de leis pode ser vista, na realidade, como um reflexo da decadência ética coletiva. Ao que parece, precisamos de regras escritas para substituir valores que, outrora, eram internalizados por meio de educação familiar, tradição e convívio social.

Hoje, dependemos de normas para nos lembrar de não jogar lixo no chão, de respeitar a fila ou de oferecer lugar aos mais velhos no transporte público. O que era uma questão de decência básica se torna obrigação legal. Isso não é só um sintoma de uma sociedade mais complexa; é também um sinal de que perdemos algo essencial: o sentido de responsabilidade ética.

O filósofo Immanuel Kant já dizia que uma ação só tem verdadeiro valor moral quando é realizada por dever, e não por interesse pessoal. Contudo, ao substituirmos a ética pelo direito, acabamos criando indivíduos que agem não por consciência, mas por medo de punição. O excesso de leis, assim, não apenas sufoca a liberdade individual, como também embota a capacidade de discernimento moral.

Será essa a sociedade que queremos? Uma sociedade em que o altruísmo, o serviço ao próximo e o senso de comunidade funcionam apenas diante do medo da sanção?

Vejamos, por exemplo, algumas importantes leis que temos em nosso país, fruto de avanços e conquistas sociais: O Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha. Trata-se de legislações essenciais, fruto de muita luta, debate e que representam, muitas vezes, proteção ao próprio direito à vida e à liberdade, essenciais para todo ser humano.

Publicidade

Contudo, em que pese o avanço que representam e o importante papel que desempenham, devemos questionar: não é óbvio que toda sociedade deve proteger seus idosos, mulheres e crianças? O fato é que nos afastamos tanto daquilo que deveria ser natural, que leis como essas se tornam indispensáveis para nossa convivência pacífica. O que deveria ser uma iniciativa interna motivada pela moral se torna uma obrigação externa motivada pelo medo da punição. Ganha o direito, perde a moral.

Caminhos para o Equilíbrio

O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio. Não é possível prescindir das leis, mas é urgente repensar o que elas de fato representam. Para não precisarmos legislar sobre tudo, mais investimento na formação ética e cívica dos indivíduos é essencial.

As escolas podem desempenhar um papel fundamental, não apenas ensinando regras, mas também estimulando a reflexão sobre a moralidade e as consequências de nossas ações. Famílias, comunidades religiosas e organizações sociais também devem ser protagonistas nesse processo, resgatando valores que transcendem o papel escrito.

Por fim, é essencial que os legisladores adotem uma postura mais criteriosa ao criar normas. Antes de promulgar uma lei, é preciso perguntar: ela resolve um problema real? Ou apenas cobre a ponta do iceberg? Há ações mais efetivas que devem ser conjugadas com a criação legislativa?

Publicidade

Conclusão

O excesso de leis é um sintoma, não a causa, de uma sociedade que perdeu parte de sua capacidade de se autorregular. Em um mundo ideal, as normas não precisariam substituir valores, mas apenas complementá-los. Recuperar o equilíbrio entre ética e direito não é tarefa simples, mas é uma jornada necessária para resgatarmos aquilo que nos torna verdadeiramente humanos: a capacidade de agir pelo que é justo e correto, mesmo quando ninguém está olhando.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Convidado deste artigo

Foto do autor Bruno de Oliveira Mendes
Bruno de Oliveira Mendessaiba mais

Bruno de Oliveira Mendes
Advogado, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC Minas. Foto: Inac/Divulgação
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.