O difícil processo de retorno de milhões de crianças e adolescentes às salas de aula evidencia, com ainda mais clareza, a necessidade de se aumentar os esforços para reduzir as desigualdades educacionais, ampliadas pelo longo período de afastamento dos ambientes de ensino. E é urgente recuperar o vínculo entre estudantes e escolas, com medidas ágeis, criativas e efetivas de estímulo a essa retomada, além do básico: garantir a segurança sanitária de estudantes, profissionais da educação e as famílias de cada um. E para além de retornar, é preciso meios para manter esses laços. E, claro: diagnosticar os déficits de aprendizagem e implementar medidas visando à sua recuperação, o que demandará a concretização da "garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida" (art. 3º, III da LDB). Mas isso não se fará se ficarmos apenas no terreno da argumentação.
Tratamos de tarefas complexas, que exigem uma ação intersetorial. Para tanto, é fundamental avaliar as condições de cada rede de ensino e assegurar os recursos humanos e financeiros. Não é admissível, portanto, como ocorreu em 2020 (com indicativos de se repetir neste ano), que diversos entes da federação não invistam nem mesmo o mínimo constitucional assegurado à educação. Há, sim, muitas demandas a serem atendidas, da infraestrutura das escolas à remuneração e capacitação de professores; do acesso à internet ao apoio às famílias mais vulneráveis.
Em novembro de 2020, 5,1 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso a seu direito fundamental à educação. É o que mostra a pesquisa "Cenário da exclusão esco-lar no Brasil", realizada pelo UNICEF em parceria com o CENPEC. O pior resultado foi registrado entre os estudantes de seis a 10 anos, etapa marcada pelo início da escolarização e da alfabetização. Das crianças e adolescentes que estavam sem acesso a educação em novembro de 2020, 41% eram dessa faixa etária. Nesse cenário, a adoção de estratégias como a Busca Ativa Escolar e a matrícula a qualquer tempo se tornam fundamentais para resgatar essas meninas e meninos que tiveram o direito de acesso à educação negado. Essa matrícula permite o retorno do estudante independentemente do momento do ano letivo em que ele se desligou do ambiente escolar. A tarefa é premente, já que, quanto mais durar o afastamento, menor a probabilidade de retorno, principalmente daqueles pertencentes a famílias em situação de vulnerabilidade social.
Por isso, é urgente fazer e falar a respeito. É imperioso que essas preocupações sejam compartilhadas pelas políticas públicas, mas que também encontrem eco nos veículos de comunicação, nas redes, na sociedade. Há algo muito grave se desenrolando a cada dia, que não tem o apelo de outras notícias tristes destes tempos sombrios, mas que vai marcar o presente e o futuro do país. Poder Público, estudantes, famílias: todos precisamos estar convencidos da extrema gravidade da situação, da importância do tema e da responsabilidade de cada um nesse processo. E reagir afirmativamente. Com esse intuito, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a União Nacional dos Dirigentes de Educação (Undime) e o Instituto Rui Barbosa, por meio do seu Comitê da Educação, têm promovido ações indutoras e de orientação focadas na redução dos impactos da pandemia na educação. Uma dessas iniciativas mostrará como alguns municípios e estados estão conseguindo trazer crianças e adolescentes de volta para as salas de aula. Agendada para o próximo dia 29, às 16h30 no horário de Brasília, a videoconferência " Desafios para a reabertura segura das escolas e a importância da matrícula a qualquer tempo ", com transmissão no canal do Conviva Educação, pretende apresentar práticas que estão dando certo e que podem servir de inspiração para as demais redes de ensino.
A iniciativa é singela frente ao desafio, mas carrega o valor simbólico da articulação e do diálogo, a partir da compreensão de que cada menino e menina que retorna e permanece na escola representa a possibilidade de um Brasil mais igualitário e com mais oportunidades. É o propósito que nos une, e que, esperamos, possa unir a nação.
*Cezar Miola, presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa; Ítalo Dutra, chefe de Educação do UNICEF no Brasil; Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime e dirigente municipal de Educação de Sud Mennucci/SP
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