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O racismo institucional no mercado de trabalho

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Por Leticia Ribeiro e Viviane Scrivani
Atualização:
Leticia Ribeiro e Viviane Scrivani. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ano de 2020 foi marcado por movimentos de protesto contra o racismo em todo o mundo. Além das várias manifestações populares - com enormes aglomerações que desafiaram, inclusive, os riscos trazidos com a pandemia -, o tema também foi alvo de debates travados nos tribunais brasileiros, inclusive na Justiça do Trabalho.

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Uma decisão histórica do Tribunal Superior do Trabalho (TST) conheceu e proveu um recurso de revista, condenando um laboratório de análises clínicas por racismo institucional. A ex-empregada ajuizou ação reparatória de danos por discriminação racial, alegando que a empresa impunha uma política de padronização visual, não contemplando qualquer referência à raça negra. A empregada teria sido orientada a manter seu cabelo preso, já que, solto, segundo descreveu, seu penteado chamava muita atenção por ser "black power".

Na petição inicial da ação reparatória de danos, a reclamante sustentou que a exigência infringia direitos de personalidade das pessoas negras, o princípio da dignidade da pessoa humana e o da valorização do trabalho humano. Em sua defesa, a empresa afirmou prezar pela diversidade racial e cultural, sendo que a padronização visual era aplicada a todos os empregados, independentemente de cor ou raça.

As decisões de 1ª e 2ª instâncias da Justiça do Trabalho de São Paulo entenderam que o código de conduta adotado pelo laboratório somente divulgava as regras de comportamento esperado de seus colaboradores, não trazendo elemento de natureza discriminatória. No entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: "o fato de não haver, no guia, fotos de pessoas negras não demonstra, por si só, discriminação. Embora a falta de representatividade seja uma questão importante e que deva ser enfrentada, não há como obrigar a empresa a alterar seus documentos internos por este motivo, eis que inexiste lei que determine que tais regramentos sejam ilustrados por todas as cores".

No recurso de revista, a ministra Delaíde Miranda Arantes, do TST, entendeu de forma diversa, determinando que o guia de padronização visual adotado pela empresa, ainda que de forma não intencional, deixava, na prática, de contemplar pessoas negras. Com base nesse entendimento, condenou o laboratório a pagar indenização por danos morais.

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Em sua fundamentação, a Ministra fez referência à Declaração Universal pelos Direitos Humanos, à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,  à Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, aos princípios da não discriminação e da igualdade previstos na Constituição Federal, à Lei que proíbe a adoção de práticas discriminatórias, e também ao Estatuto da Igualdade Racial, destacando que, "a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada é uma forma de discriminação".

A decisão inovadora reforça a importância da discussão sobre a necessidade de ampliação da diversidade e representatividade no ambiente do trabalho, especialmente num um país em que 55,8% da população é composta por pessoas negras (autodeclaradas pretas e pardas). Atingir essa representatividade é, justamente, implementar "despadronização", com a aceitação de pessoas etnicamente diferentes.

Um estudo do Boston Consulting Group, que buscou razões para a falta de diversidade em posições de comando nas empresas, concluiu que uma das principais causas que levam indivíduos de grupos raciais e étnicos sub-representados a deixarem de trilhar um caminho para a liderança é o "fraco senso de pertencimento". Não há como negar a existência da discriminação institucional, especialmente quando nos deparamos com dados concretos do mercado de trabalho brasileiro. Uma pesquisa realizada pelo site Vagas.com evidencia de forma contundente a falta de representatividade em cargos de gestão por pessoas negras: 8,3% ocupam posições de supervisão/coordenação, 3,4% na gerência e apenas 0,7% na diretoria. Enquanto isso, quase metade dos colaboradores que exercem funções de base, auxiliar/operacional (47%), técnico (11,4%) e estágio (9,9%).

A discriminação institucional, por mais sutil que seja, não pode ser ignorada, dentro ou fora do mercado de trabalho. Nesse contexto, a decisão do TST representa um alento ao reconhecer que ignorar a diversidade racial no ambiente profissional é sim discriminação. É um primeiro passo numa longa caminhada a ser percorrida. Como acertadamente ponderou a Ministra Miranda Delaíde Arantes, o atual estágio de desenvolvimento da sociedade mundial não comporta mais esses tipos de padronização.

Para reverter esse padrão racial praticado ao longo de décadas, é preciso que a sociedade reconheça os problemas ainda existentes e realize uma mudança estrutural. Isso envolve, também, a alteração da postura por parte das empresas. É preciso reconhecer que, ao longo do tempo, a discriminação não vem sendo praticada apenas por indivíduos, mas também por instituições.

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O processo para que a representatividade no mercado de trabalho brasileiro seja corrigida já está, sem dúvida, muito atrasado. Para acelerar essa modificação urgente e necessária, além da pressão social e da evolução normativa e jurisprudencial, é importante que as empresas reavaliem seu papel e realizem medidas como censos internos, definição de metas concretas de diversidade e revisão de políticas de contratação. Como o processo judicial comentado acima demonstra, essas medidas tornam-se cada vez mais urgentes para equalizar as oportunidades dadas hoje a mais da metade da população brasileira.

*Leticia Ribeiro e Viviane Scrivani são, respectivamente, sócia e associada da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe

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