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Os algoritmos e a LGPD nos ambientes online

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Por Bruno Martins Thorpe de Castro
Atualização:
Bruno Martins Thorpe de Castro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O documentário O Dilema das Redes, que entrou no catálogo da plataforma de streaming Netflix, tem provocado grande debate sobre a utilização de dados pessoais e o próprio modelo de negócio desenvolvido pelas redes sociais. Os temas são analisados por meio de entrevistas com altos funcionários e cocriadores das maiores redes sociais do mundo. O perfil dos entrevistados, ao mesmo tempo, confere credibilidade à análise e representa mea-culpa pelo que chegam a chamar de risco civilizatório.

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O modelo de monetização das grandes redes é sintetizado por duas frases marcantes ao longo do filme. Se você não paga pelo produto, você é o produto, reproduzida por Tristan Harris, sintetiza um modelo de negócio baseado na monetização de dados de usuários, que, em contrapartida, possuem acesso gratuito às ferramentas digitais (valiosas, diga-se).

Na sequência, Jaron Lanier trata da sofisticação do modelo de negócio, afastando a interpretação de que os dados pessoais fossem simplesmente comercializados. Segundo ele, é a mudança gradual, leve e imperceptível em seu próprio comportamento e percepção que é o produto. A rigor, seria um efeito similar ao que é produzido pela propaganda tradicional no mercado de consumo. O ponto de distinção, todavia, é a utilização de dados pessoais para o direcionamento específico de anúncios conforme o perfil do usuário.

Neste sentido, a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor neste mês de setembro de 2020, promete trazer maior proteção às informações pessoais de usuários, regulamentando seu tratamento e prevenindo eventuais abusos. Por mais que as grandes corporações que operam as maiores redes sociais e sites de busca não estejam sediados no Brasil, a LGPD prevê a aplicabilidade de suas normas para o tratamento de dados coletados de quaisquer pessoas que estejam no país.

A LGPD traz espectros distintos de normas aplicáveis sobre dados pessoais identificados ou identificáveis e aqueles que sejam anonimizados, por meio da perda de possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo. As redes sociais e mecanismos de buscas, por dependerem da personalização da experiência do usuário - seja com o fim de tornarem-se mais atrativos e de gerar maior engajamento, seja para o direcionamento de anúncios mais efetivos -, inserem-se no grupo de fornecedores que utilizam dados pessoais identificados, atraindo, então, maior grau de regulamentação.

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O primeiro impacto da nova legislação já é perceptível no momento em que o usuário autoriza a utilização de seus dados. Os Termos de Uso pouco claros ou genéricos serão considerados nulos. Assim, os aspectos relativos à utilização de dados deverão ter consentimento específico, destacado dos demais termos de utilização da plataforma.

Já o armazenamento e tratamento de dados sensíveis (relativos à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual) deverão ser informados separadamente dos demais. Sobre esses dados, ficará vedado compartilhamento com outros controladores de dados, e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados poderá exigir parâmetros técnicos de proteção mais rígidos. Um aspecto importante em ano eleitoral e diante de tanta polarização nos ambientes virtuais.

O que ainda deverá ser objeto de muito debate é o estímulo, por meio de algoritmos, à propagação de discursos extremistas, que fomentem o discurso de ódio e das fake news. O Marco Civil da Internet previu que os provedores de conteúdo não sejam responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, desde que, mediante ordem judicial específica, adotem providências para torná-lo indisponível.

Conforme relatado por especialistas ouvidos no documentário O Dilema das Redes, os algoritmos utilizados pelas principais redes sociais, em busca do aumento de engajamento, em muitos casos, estimulam a propagação de notícias falsas e discursos extremistas para aqueles usuários que são identificados como mais suscetíveis para aquele tipo de interação.

Na prática, as redes sociais têm adotado o sistema do notice and takedown, segundo o qual, diante de notificação dos usuários sobre o conteúdo ofensivo, eles são retirados do ar. A LGPD, no entanto, traz novos contornos para o tema.

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Apresenta-se, assim, nova discussão sobre a responsabilidade das redes sociais na utilização de dados do perfil do usuário para a dispersão de conteúdos ilegais. Neste sentido, de um lado, a LGPD determina que não será responsável o agente de tratamento quando demonstrar que não houve violação à legislação de proteção de dados. Mas, por outro lado, a própria LGPD consagra o princípio da finalidade, segundo o qual o tratamento de dados deve atender a propósitos legítimos.

A situação é agravada pela utilização de dados sensíveis (origem étnica ou racial, preferências políticas, religiosas e orientação sexual) para a definição de perfil e disseminação do discurso de ódio. Neste momento, parece, então, que aquela conduta seria apta a configurar o desvio de finalidade e, portanto, a violação legal.

A prevalecer este entendimento, a dispersão de conteúdo ilegal com base no perfil construído para o usuário, com base em seus dados pessoais, seria, sim, suficiente para atrair a responsabilidade do gestor de dados. Eis o verdadeiro dilema das redes a ser respondido pela comunidade jurídica.

*Bruno Martins Thorpe de Castro, advogado associado do escritório Costa Marfori Advogados

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