Superado o momento de adequação ao "novo normal", o ano de 2021 foi marcado pelo início da retomada de diversos setores da economia, sendo que a propriedade intelectual, em seus mais diversos ramos, é propulsora para a recuperação do nosso país.
O reconhecimento da importância da propriedade intelectual para os países é revelado pelo ranking global IP Index 2021, elaborado anualmente pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos para avaliar a adoção de políticas de propriedade intelectual em 54 países, sendo indicado que as economias com sistemas bem estruturados para a proteção dos ativos de propriedade intelectual estão mais propensas a atrair investimentos do exterior.
Embora o Brasil tenha figurado apenas em 34º lugar no ranking geral, ficou em 3º lugar em relação ao BRICS. Esse destaque se deu por uma série de medidas adotadas para garantir a efetiva proteção dos ativos de propriedade intelectual, tais como o desenvolvimento do Plano de Combate ao Backlog de Patentes, o qual reduziu os atrasos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) na análise de patentes, a Operação 404, que levou ao bloqueio de sites e aplicativos ilegais de streaming em conjunto com os Estados Unidos e o Reino Unido, e, ainda, a Operação Copyright, executada pela Polícia Federal para desmembrar esquema de pirataria digital nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro e Goiás.
Sob a perspectiva legislativa, o Projeto de Lei nº 5.542/20, atualmente aguardando parecer da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, pretende tornar obrigatório o cadastramento de músicos acompanhantes e arranjadores no cadastro das obras musicais, visando atender aos anseios da classe artística em relação à suposta displicência dos produtores musicais e do próprio Escritório Central de Arrecadação e Distribuição no momento do cadastro dos fonogramas, assegurando à todos os músicos envolvidos na gravação o repasse dos valores relacionados às suas participações nas respectivas obras.
Ainda no âmbito legislativo, especificamente em relação à propriedade industrial, a pandemia teve efeito direto no sistema de patentes, destacando-se a publicação da Lei nº 14.200/21, que ampliou as hipóteses de licença compulsória de patentes para permitir que, em casos de calamidade pública, interesse público ou emergencial nacional ou internacional e na hipótese do titular da patente não atender à necessidade da sociedade, terceiros sejam autorizados a explorar a tecnologia patenteada, com compensação financeira ao titular.
Ainda que a licença compulsória já existisse no nosso sistema jurídico, encontrando amparo inclusive no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), a ampliação das hipóteses de relativização da exclusividade das patentes permite uma resposta mais efetiva do governo brasileiro no enfrentamento a crises sanitárias, como é o caso da pandemia de Covid-19.
Ainda sobre patentes, tivemos alteração significativa em relação ao prazo de validade dos registros, tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido a inconstitucionalidade da regra que prolongava a vigência das patentes por conta do atraso na análise do INPI, fixando o prazo de vigência de 20 anos do depósito, em caso de patentes de invenção, e 15 anos do depósito, em caso de patentes de modelo de utilidade, sendo certo que a atuação do INPI para reduzir o prazo de análise dos pedidos de patentes, como reconhecido no IP Index, se torna ainda mais relevante para garantir a efetiva proteção destes ativos intelectuais.
Sobre registro de marcas, foi introduzida pelo INPI a possibilidade de registro de marcas de posição, reforçando a tendência desta autarquia de se adequar aos parâmetros internacionais, na medida que este tipo de registro é comum no exterior. As marcas de posição são aquelas que identificam produtos ou serviços por meio da aplicação de um sinal em posição singular e específica, como o solado vermelho em um sapato de salto, restando reconhecido que a possibilidade de registro dessas marcas amplia a proteção concedida aos signos distintivos de uma empresa.
Além disso, o INPI também fez acordo com a Associação Comercial de São Paulo para possibilitar que pequenos e médios empreendedores promovam, no mesmo ato, a abertura de suas empresas e o pedido de registro de suas marcas, mostrando que a proteção de ativos de propriedade industrial não é exclusiva dos grandes players.
Ainda em relação ao registro de marca, lembramos que o Brasil aderiu ao Protocolo de Madrid em 2019, sendo que, entre outubro de 2019 e outubro de 2021, nosso país foi designado em mais de 20 mil pedidos de registro, o que, certamente, é reflexo da adesão ao referido protocolo e representa o interesse dos estrangeiros em fazer negócios no nosso país.
Dessa forma, apesar do ano desafiador para a economia, a adoção de novas medidas de propriedade intelectual pelos agentes públicos e privados no Brasil mostra que há não apenas a atualização das práticas nacionais para adequação ao cenário internacional, mas de fato uma mudança de paradigma sobre a importância e a necessidade de utilização da propriedade intelectual como propulsora da economia brasileira.
*Pedro González Tinoco, sócio de Propriedade Intelectual do escritório Almeida Advogados
*Victoria Francesca Buzzacaro Antongini, advogada de Propriedade Intelectual do escritório Almeida Advogados
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