José do Patrocínio era republicano e abolicionista. Quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, ele passou a reverenciar a herdeira do trono e arrefeceu em suas críticas à Monarquia.
Silva Jardim, também republicano e defensor da libertação dos escravos, passou a criticar José do Patrocínio, assacando-lhe epítetos maledicentes e pretendendo mostrar que o jornalista “dançava conforme a música” e não de acordo com seus ideais.
Durante muito tempo, essas críticas não abalaram José do Patrocínio. Ele não acusava os golpes. Só que uma noite, no Teatro Lucinda, a casa repleta, Silva Jardim se dirige ao público e lança contra Patrocínio implacável objurgatória. O ataque atingiu um homem cansado, ferido em várias frentes e o abateu.
Quando quis responder, sua voz era frágil. Parecia um homem amesquinhado. Seus olhos temerosos não tinham coragem para encarar o povaréu que aguardava, atento, sua reação. Seus gestos não tinham veemência. A garganta possante não respondia com a riqueza das inflexões que dele fizeram o festejado tribuno do Império.
Seus amigos estranhavam e estavam estupefatos. Foi nesse instante que, das galerias, um grito ecoou:
- “Cala a boca, negro!”.
Foi o suficiente para o gigante despertar. A palavra saiu fluente, retomou o garbo e a raça, numa oração vivaz, eloquente e persuasiva. Repeliu o insulto, rechaçou as acusações de Silva Jardim e a réplica foi um prodígio de improvisação como poucas vezes se ouviu na capital.
Assim que terminou, os aplausos explodiram de forma estrondosa e foi nos braços do povo que ele saiu do teatro, assim conduzido até à redação da “Gazeta da Tarde”, sempre cercado pela multidão de admiradores e aos gritos de “Viva José do Patrocínio”.
Seus colegas de trabalho ali estavam e se irmanaram ao grande grupo que o carregou nos ombros. Assim que ficou só com eles, dispersa a gente que o aclamava, demonstrou sua justificada cólera:
- “Eu só queria saber quem foi o patife que me atirou aquele desaforo!”.
Paula Nei, um de seus melhores amigos, adiantou-se:
- “Foi este seu criado”.
Patrocínio mostrou-se surpreso:
- “Tu?”.
E o boêmio Paula Nei confirma:
- “Sim. Fui eu!”. E explicou sua conduta:
- “Querias que eu assistisse indiferente à tua derrota? Os amigos mostram-se nas ocasiões em que são necessários. Estavas acovardado, como se dormindo. Se fosses um simples mortal, eu não faria nada. Mas tratando-se de ti, do que significas para a nacionalidade, logo me veio à mente que era necessário um raio. Só com raios se podem despertar titãs!”.
A vitória foi a reação de Patrocínio, cujos brios reverberaram à provocação de quem ousou mencionar sua cor.
José do Patrocínio era orador consagrado. Mas no final da campanha abolicionista, havia ocasiões em que o cansaço vencia. Era obrigado a proferir inúmeros discursos todos os dias. De manhã à noite, era chamado a inflamar os ouvintes. O tema era apaixonante. Havia bons argumentos de ambos os lados. E ele era negro, o que já causava curiosidade nos que iam ouvi-lo.
Numa noite, em espaço hostil, ensaiavam-se vaias enquanto falava. Ele não estava acostumado com isso, mas apenas com aplausos. Como os assobios e gritos aumentassem, ele perdeu o fio da fala:
- “O Brasil...” e não conseguia continuar.
Semblante fatigado, voz lenta e arrastada. Onde o tribuno da abolição? Foi então que começaram a romper gargalhadas. Também foi o lampejo que fê-lo recobrar o controle. Com olhos rebrilhantes, fisionomia enérgica, voz tonitroante, continuou sua oração:
- “O Brasil, o que é o Brasil? Que somos nós, senhores? Sim, que somos nós?”, repetiu ainda mais forte. Para concluir, de forma fulminante, que arrancou da multidão aplausos que representaram verdadeira apoteose:
- “Somos um povo que não se envergonha de rir, quando deveria chorar!”.
Essa expressão ganhou o Brasil e passou a ser repetida com frequência, tornando-se lugar comum, verdadeiro clichê. Mas o primeiro registro de que tenha sido usada é esse, como reação de José do Patrocínio a uma provocação que fez seus brios mostrarem a face.