Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | PEC do confronto

Como o crime para se estruturar não depende de PEC ou Lei, avançou rápido e se organizou. Para enfrentar esse criminoso é necessário mudar, não amplificar o que já não funciona. A PEC que será discutida no Congresso deve partir para a preponderância da repressão qualificada

PUBLICIDADE

convidados
Por Ivana David e Willian Sampaio

O Poder Executivo Federal vem construindo – no gerúndio – uma PEC, chamada da Segurança Pública, para alterar os artigos 21 (competências da União), 22 (competência legislativa privativa da União), 23 (competências comuns da União, Estados, Distrito Federal e Municípios) 24 (competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal) e 144 (dispõe sobre Segurança Pública) da Constituição Federal. Mas, apesar do esforço demonstrado, o que há de bom no que se viu até agora? Pouco, como propor a coordenação federal das políticas de segurança, incluindo-as nas prerrogativas da União. Assim como no SUS, que induz política de saúde para o país, a União traria as diretrizes do sistema único de segurança – SUSP - e a constitucionalização do Fundo de Segurança e do Fundo Penitenciário, destinados à área. Ponto. No mais, a PEC apenas amplifica o superado modelo atual de segurança, e naquilo que o tempo limitou a eficácia, inclusive nos estados, ao propor, por exemplo, a transformação da Polícia Rodoviária Federal - PRF em Polícia Viária Federal - PVF. Aqui um parêntese: as Polícias Militares dos Estados são instituições centenárias que já fazem o policiamento ostensivo, preventivo e repressivo. Hoje atuam no limite desse padrão atual. Isso observado, colocar a União com sua PVF nas ruas (estradas federais, hidrovias e ferrovias) o que acrescentaria de bom ao policiamento? Na prática, a PVF terá potencial de amplificar o (mau) confronto que já existe e que não funciona mais (aquilo que passa do limite atual). A PEC não caminha para novo modelo de segurança. Não propõe e não há avanço para um novo desenho de polícia judiciária, de investigação e inteligência, inclusive com necessárias alterações legislativas. Exemplo disso, ao que se sabe, o Ministério Público, destinatário final das investigações e titular das ações penais públicas, não foi ouvido na elaboração da PEC.

PUBLICIDADE

O Brasil não é mais o país da década de 1980 (década da Constituição). Os agentes agressores não são mais delinquentes isolados. A criminalidade da década de 2020 é estruturada; confrontar os delitos de 1980 com ostensividade e repressão deu seu resultado. Hoje, 40 anos depois, esse confronto já não traz o mesmo efeito, ao contrário. Como o crime para se estruturar não depende de PEC ou Lei, avançou rápido e se organizou. Já o Estado mantém sistema anacrônico. Para enfrentar esse criminoso é necessário mudar, não amplificar o que já não funciona. A PEC que será discutida no Congresso deve partir para a preponderância da repressão qualificada. Como? Investigação. Proporcionar às agências de polícia judiciária melhores instrumentos legais. Sinergia com atuação da Polícia Federal (essa deveria ser ampliada), Polícia Civis de cada Estado e os Ministérios Públicos. A maior facção criminosa do país não está mais nas “biqueiras”. Está no tráfico transnacional. As ações passam pelos estados e envolvem da União.

O que se planeja, por exemplo, para cuidar da realidade de, atualmente, 800 mil presos e a estimativa de 5 milhões de ex-presidiários? O Estado brasileiro, com a Lei Antidrogas, entre outros equívocos, proporcionou crescimento exponencial desses presos, muitos dos que saem e se tornam mão de obra fungível do crime organizado (mesmo que a princípio não queiram). Qual política pública será aplicada? Qual a abordagem para a política de encarceramento de pessoas em massa e sem periculosidade?

Qual ação de Inteligência e regulação de mercados sensíveis? Seguindo o exemplo de São Paulo que fez com a lei dos desmanches de autopeças no final na década de 2000 colhendo bons resultados? E para outros segmentos, também sensíveis ao crime organizado? Os Estados não têm competência constitucional para legislar, e a União, que detém a competência legislativa, deveria enfrentar. O novo Código de Processo Penal que tramita há 13 anos! Drogas, Combustíveis, Comércio... A propósito, já poderia e deveria ter feito por meio de normas infraconstitucionais, nestes dois anos!

Espera-se, agora, que o Congresso Nacional substitua a PEC do confronto pela PEC de novo modelo de segurança pública, alterando o vetusto sistema vigente no país.

Publicidade

Convidados deste artigo

Foto do autor Ivana David
Ivana Davidsaiba mais
Foto do autor Willian Sampaio
Willian Sampaiosaiba mais

Ivana David
Desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.