Após o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a entrega do vídeo da reunião ministerial citado em depoimento pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o Palácio do Planalto tentará alegar que as gravações são pontuais e curtas e, portanto, não há a íntegra do conteúdo. A gravação gera preocupação no governo.
Além da suposta pressão que o presidente Jair Bolsonaro teria feito sobre Moro para trocar o comando da Polícia Federal, o vídeo também conteria o registro de um desentendimento entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
O argumento de que não há um registro com a íntegra do encontro do conselho de governo confrontam uma declaração do próprio presidente que, no dia 28 de abril, admitiu que os encontros do primeiro escalão são filmados, e os vídeos guardados em um cofre. Bolsonaro chegou a prometer que divulgaria o vídeo da reunião com Moro para mostrar como ele trata os ministros, mas depois recuou alegando que recebeu o conselho para "não divulgar para não criar turbulência."
O Estado apurou que um dos motivos para Bolsonaro não ter apresentado o vídeo da reunião do dia 22 de abril, a última com a presença de Moro, foi o desentendimento entre Guedes e Marinho. Diante dos colegas de Esplanada, os dois divergiram sobre gastos públicos para incentivar a retomada da economia após o fim da pandemia da coronavírus. Neste mesmo encontro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, teria feito críticas ao ministro do STF.
Conforme mostrou o Estado, o vídeo da reunião está sob responsabilidade do secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten. Além dele, o chefe da assessoria especial da Presidência, Célio Faria Junior, e o ministro-chefe da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, foram citados no despacho de Celso de Mello da noite de terça-feira, 5, que obriga a apresentar as gravações.
O pedido do vídeo foi deferido no inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sérgio Moro de tentativa de 'interferência política' de Bolsonaro no comando da Polícia Federal.
Os três foram notificados nesta quarta-feira e têm 72 horas para responder ao pedido. O decano mandou as autoridades citadas a 'preservar a integridade do conteúdo' da gravação e impedir 'que os elementos nela contidos possam ser alterados, modificados ou, até mesmo, suprimidos'.
Ao Estado, Célio Faria negou ter mantido e apagado o vídeo da reunião, reforçando que se trata de uma atribuição da Secom. Procurada pela reportagem, a Secretaria-Geral da Presidência confirmou que recebeu a solicitação do STF, mas informou que "não captou nenhum vídeo ou áudio e nem mantém a guarda deste material." Questionada sobre a existência do vídeo e protocolos sobre gravação e armazenamento das reuniões ministeriais, a Secom informou apenas que "o Planalto não comentará".
Interlocutores do Planalto afirmam que, antes da citação do ministro Celso de Mello, Bolsonaro estava "tranquilo" sobre a divulgação do vídeo, alegando que a cobrança teria sido feita a todos os ministros, não apenas a Moro. O presidente, em conversas reservadas, tem reconhecido que falou sim que poderia demitir quem quisesse, mas pondera que também faz essas mesmas declarações em público.
Em clima tenso, Bolsonaro também cobrou o ex-ministro publicamente sobre prisões, consideradas por ele como "ilegais", de pessoas que furaram a quarentena imposta por prefeitos e governadores para evitar a propagação do novo coronavírus.
Quando admitiu a existência do registro das reuniões de conselho de governo, Bolsonaro alertou que tinha pedido autorização dos ministros para divulgar. "Nossa reunião é filmada e fica no cofre lá o chip", comentou Bolsonaro. "Mandei legendar e vou divulgar. Tirem as conclusões de como eu converso com os ministros", acrescentou.
Depois, ao desistir da divulgação, alegou se tratar de uma reunião reservada. "Último conselho que tive é não divulgar para não criar turbulência. Uma reunião reservada, então é essa a ideia. Talvez saia, mas por enquanto não", disse.