Ao longo dos últimos dias, a infraestrutura necessária para que o setor de saúde atenda bem seus pacientes tem estado no centro de uma importante discussão: a viabilidade da participação da iniciativa privada na prestação de serviços na área de saúde.
Apesar de o decreto publicado na última terça feira (27) - posteriormente revogado - ter se referido à permissão para que se realizassem estudos sobre a possibilidade da participação privada no setor e à inclusão de Unidades Básicas de Saúde dentro do programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI), infelizmente, a discussão foi para um caminho sem sentido de afirmar que o SUS estaria sendo privatizado, o que não condiz com a realidade.
Infelizmente, ainda existe a dificuldade de compreender-se a diferença entre privatização e concessão de serviços públicos. Enquanto a privatização significa a venda para um ente privado de um ativo público, que no dia seguinte sai das mãos do Estado e passa a uma empresa, a concessão de serviço público, no todo ou em parte, significa apenas a autorização do Poder Público para que um ente privado preste determinados serviços públicos, por determinado período, sob este regime. Todo e qualquer investimento feito pelo parceiro privado no decorrer da referida concessão passa a integrar o conjunto de ativos públicos ao seu término.
As PPPs nada mais são do que concessões parciais, que ocorrem a partir de diferentes modelos. Nas chamadas PPPs ou Concessões Patrocinadas, o privado presta determinados serviços e em vez de ser remunerado exclusivamente pela cobrança de tarifas diretamente do usuário final recebe parcialmente desta forma e tem, ainda, sua receita complementada por pagamento feito pelo Poder Público diretamente. Já quando não há a possibilidade de cobrança de tarifa diretamente dos usuários, o que se aplica a serviços universais garantidos constitucionalmente, como é o caso da saúde, a remuneração é recebida integralmente do Poder Público e, nesta situação, temos as PPPs ou Concessões Administrativas.
Sendo assim, fica evidente que não existe a menor possibilidade de se privatizar o SUS. Para fazê-lo, o governo precisaria alterar a Constituição, o que passou longe do teor do decreto publicado. A gestão dos serviços de saúde prestados pelo SUS no Brasil é obrigação do Poder Público e algo indelegável. Todavia, buscar parceria com a iniciativa privada para que ela venha a prestar parte dos serviços de acordo com regras estabelecidas previamente pelo Poder Público, que é o titular dos mesmos, não só é algo saudável de se discutir como já existem belos exemplos de sucesso espalhados pelo Brasil, apesar de ainda serem poucas as iniciativas do tipo.
Apenas no sentido de melhor contextualizar o assunto e melhorar o ambiente de discussão, de forma breve, poderíamos dividir a prestação dos serviços de saúde em 3 áreas distintas, a saber:
- A gestão da regulação da saúde: aqui se entende por regulação a definição de quem, quando e onde cada usuário deve ser atendido pelo sistema. Trata-se da responsabilidade por definir a composição da infraestrutura, hierarquização das diversas unidades, sejam elas básicas, de média ou alta complexidade, bem como o encaminhamento dos pacientes para cada uma delas. Esta esfera, como já dito acima, é atribuição exclusiva do Poder Público e absolutamente indelegável.
- A gestão do serviço assistencial (Bata Branca): aqui se entende pela prestação do serviço médico necessário ao atendimento de cada paciente. Este serviço pode ser oferecido por profissionais com vínculo direto com o Poder Público ou que tenham vínculos com Organizações Sociais (OS) ou mesmo, empresas privadas. Isto já existe no país e não se trata de privatização, mas de delegação para um terceiro, sujeito a regras e condições definidas pelo Poder Público.
- A construção e disponibilização de infraestrutura e a prestação de serviços de apoio (Bata Cinza): Aqui, assim como no item acima, o serviço pode ser prestado diretamente pelo Estado ou por um terceiro, seja ele uma OS ou empresa privada, contratado para tal. Igualmente, a admissão de um terceiro para este escopo não significa privatização e, também, já é amplamente utilizada no país.
O Brasil já possui alguns exemplos de PPPs com parceiros privados e que são grandes cases de sucesso. Uma delas, o Hospital do Subúrbio, em Salvador, contratado para prestar tanto os serviços de Bata Cinza quanto os serviços de Bata Branca. Temos outras iniciativas, como o Hospital Couto Maia, em Salvador, o Hospital Delphina Aziz, em Manaus, e o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro, em Belo Horizonte, onde o parceiro privado é responsável, além da construção do hospital, pela prestação apenas dos serviços de Bata Cinza.
Além das experiências na construção e gestão de hospitais, podemos citar também a PPP de BH que contratou com o parceiro privado a construção e operação de mais de 40 unidades básicas de saúde, que depois serão operadas por ele. Inclusive, uma delas já está em operação atendendo a população - e não estamos falando absolutamente de privatização do serviço público de saúde.
E não paramos por aí. Ainda existem outros casos de grande sucesso na área de Infraestrutura Social, onde o privado presta serviços sob concessão para a Educação, com construção e operação de escolas, dentre outros.
PPP é isso, aproveitar-se da melhor dinamicidade e eficiência aportadas pelo parceiro público, aliadas à definição de diretrizes e políticas e à prestação da parte indelegável do serviço público pelo próprio Estado, responsável por tal serviço - seja ele federal, estadual ou municipal.
Desta forma, com as diversas regras intrínsecas à relação entre os entes em uma concessão, qual o intuito do Poder Público em compartilhar a responsabilidade de um serviço essencial com uma empresa? A resposta é uma só: ganhar eficiência para oferecer um serviço de qualidade à população.
Olhe que até aqui, não falamos de um outro ponto extremamente relevante, que é a capacidade do privado aportar recursos para construir, ampliar e melhorar a infraestrutura existente. Com um Poder Público que tem cada vez mais restrições de investimento e passa por grande desequilíbrio fiscal, receber aportes privados que serão pagos a longo prazo, em consonância com a vida útil dos ativos, é algo amplamente desejável neste momento em todos os setores da infraestrutura, inclusive na saúde.
Dentro de toda essa discussão, é válido reforçarmos algo muito importante: os contratos de PPPs não eximem a responsabilidade do Estado sobre um ativo público. E ao término do contrato firmado com a iniciativa privada, este mesmo ativo retorna às mãos do Poder Público, que ao longo da parceria, terá monitorado a execução do trabalho pelo ente privado.
Enquanto as discussões fugirem do pragmatismo e caminharem para a subjetividade, temos apenas um lado prejudicado: a população. Dialogar sobre novos modelos de gestão em infraestrutura no Brasil e sua funcionalidade se faz necessário aqui e agora. O legado será sempre um bem de todos. E quem ganha não é nem um e nem o outro, mas sim, a sociedade.
*Otávio Silveira é CEO da Opy Health
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