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Promotor vê suspeita de envolvimento de políticos e envia caso Furnas para Janot

Investigação sobre suspeita de corrupção na estatal de energia foi arquivada em primeira instância, mas promotor Rubem Viana, do Ministério Público do Rio, encaminhou parte da investigação que pode implicar pessoas com foro privilegiado

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Atualização:

Rodrigo Janot. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Mais de dez anos após surgirem as primeiras denúncias de corrupção em Furnas, o Ministério Público do Rio de Janeiro encaminhou à Procuradoria-Geral da República a investigação sobre o caso, após constatar que "os fatos constitutivos do objeto envolvem parlamentares detentores de foro por prerrogativa de função", diz o Ministério Público fluminense em nota ao Estado. A decisão foi tomada pelo promotor Rubem Viana, da 24ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal da 1ª Central de Inquéritos que remeteu a documentação em setembro deste ano. Os autos, que estão sob sigilo, só chegaram à Procuradoria-Geral da República na sexta-feira, 2, mas ainda nem foram para o gabinete de Janot.

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O caso é mais uma das investigações que ganharam um novo fôlego com os avanços da Operação Lava Jato. Desde que veio à tona, em 2014, a operação vem lançando luz sobre fatos de algumas das princiáis investigações e escândalos do País nos últimos 10 anos (confira ao lado).

No caso de Furnas, as investigações em primeira instância se arrastavam desde 2005, quando a Polícia Federal no Rio instaurou um inquérito para apurar as denúncias feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson na CPI Mista dos Correios de que haveria um esquema de caixa 2 na estatal de energia que abasteceria partidos políticos. Ao longo da investigação, o lobista Nilton Monteiro, um dos acusados de atuar no esquema, chegou a apresentar uma lista com nome de 156 políticos que seriam beneficiários do esquema, que ficou conhecida como "lista de Furnas".

Como as perícias da Polícia Federal concluíram que não dava para saber se o documento era falso, as investigações dos nomes citados acabaram não avançando. Em 2012, contudo, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro apresentou denúncia contra 11 acusados de corrupção em dois contratos de termelétricas (em Campos dos Goytacazes e São Gonçalo, no Rio), incluindo Jefferson, o ex-diretor de Engenharia de Furnas Dimas Toledo.

Em março daquele ano, porém, a Justiça Federal entendeu que o caso deveria ser remetido para a Justiça Estadual do Rio. Lá, o caso voltou para a fase de inquérito e foi remetido para a Polícia Civil concluir a investigação. Na Delegacia Fazendária da polícia, o caso ficou mais quatro anos e, somente em março deste ano, a delegada Renata Araújo concluiu a investigação indiciando Roberto Jefferson e outros seis investigados por lavagem de dinheiro. Em setembro deste ano, acolhendo um pedido do Ministério Público do Rio, a Justiça Estadual arquivou o caso em primeira instância.

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Agora, a parte da investigação que pode implicar políticos foi remetida para a Procuradoria-Geral da República no esquema que teria se instalado na estatal de energia de forma semelhante ao identificado pela Lava Jato na Petrobrás.

"O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informa que, em setembro deste ano, o promotor Rubem Viana declinou de sua atribuição para o Ministério Público Federal (MPF), uma vez que os fatos constitutivos do objeto envolvem parlamentares detentores de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal (STF), diz a nota do MPRJ.

O DESPACHO DA JUSTIÇA DO RIO ARQUIVANDO A INVESTIGAÇÃO DE FURNAS QUE NÃO ENVOLVE POLÍTICOS:

 Foto: Estadão

O arquivamento da investigação em primeira instância não impede que o promotor tenha remetido a parte do inquérito que pode implicar pessoas com prerrogativa de foro.

Graças a Lava Jato, o caso, que se arrastou por anos na primeira instância, já teve desdobramentos no Supremo Tribunal Federal antes mesmo da decisão do promotor Rubem Viana. Em junho, a Corte autorizou a abertura de um inquérito para apurar as suspeitas de que o senador e presidente do PSDB Aécio Neves teria recebido propinas do suposto esquema em Furnas.

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O pedido foi feito com base na delação do ex-senador Delcídio Amaral, que reafirmou a existência de um esquema em Furnas e apontou o tucano como um dos beneficiários, além da colaboração do doleiro Alberto Youssef, que havia apontado a propina de R$ 4,3 milhões para Aécio relativo a uma diretoria de Furnas que seria dividida com o PP, partido para o qual Youssef operava.

No inquérito, o procurador-geral da República Rodrigo Janot junta cópia da denúncia apresentada pela Procuradoria da República no Rio em 2012.

No dia 23 de novembro, atendendo a um pedido de Janot, o ministro Gilmar Mendes prorrogou por mais 60 dias o inquérito contra Aécio relativo ao caso de Furnas.

Reprodução de depoimento de Delcídio Foto: Estadão

Outros casos. O episódio de Furnas é apenas um que voltou à tona com os desdobramentos da Lava Jato. A CPI dos Correios, onde Roberto Jefferson denunciou o suposto esquema na estatal e também o mensalão, esquema de compra de votos de parlamentares no governo Lula que veio a ser julgado anos mais tarde, também foi "reaberta".

Graças também à delação de Delcídio, que presidiu a comissão parlamentar instaurada em 2005 para apurar a corrupção nos Correios, Janot instaurou um outro inquérito no Supremo para apurar a atuação de Aécio e do prefeito do Rio Eduardo Paes (PMDB) para maquiar os dados da quebra de sigilo do Banco Rural que foram enviados à comissão em 2005.

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De acordo com o delator, os dados poderiam implicar nomes do PSDB no esquema operado por Marcos Valério, atualmente cumprindo pena de 37 anos de prisão por seu envolvimento no escândalo.

Ambos os políticos rechaçam as acusações de Delcídio e negam envolvimento nas irregularidades.

Em primeira instância, a Lava Jato também revirou outros episódios envolvendo Valério, que chegou a ser denunciado pela força-tarefa em Curitiba acusado de lavagem de dinheirono episódio envolvendo o repasse de R$ 6 milhões a um empresário do ramo de transportes de Santo André que teria chantageado o PT na época do assassinato de Celso Daniel.

A polêmica transação havia sido citada em sua primeira tentativa, fracassada, de fechar um acordo de delação premiada, em 2012. Na época, ele disse que foi procurado para fazer 'uma movimentação do dinheiro' supostamente do PT para o empresário de Santo André. Valério acabou não concordando em participar da transação e relatou depois que o repasse dos recursos poderia ter sido feito por meio de um empréstimo do Banco Schahin ao pecuarista José Carlos Bumlai, próximo do ex-presidente Lula.

A Lava Jato veio revelar que o empréstimo de R$ 12 milhões tomado por Bumlai foi, na verdade, para o PT e que R$ 6 milhões deste valor foram repassados ao empresário Ronan Maria Pinto, de Santo André, que acabou comprando o jornal Diário do Grande ABC, que na época fez uma cobertura ampla do caso Celso Daniel. Além disso, as investigações apontaram que o empréstimo com o Banco Schahin nunca foi efetivamente quitado pelo pecuarista, mas que em troca o Grupo Schahin acabou vencendo uma licitação na Petrobrás.

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O próprio esquema do mensalão mineiro, que envolveu o suposto desvio de dinheiro de estatais de Minas para financiar a campanha à reeleição do então governador Eduardo Azeredo (PSDB), em 1998, pode ter novos desdobramentos. Graças aos avanços da Lava Jato, e sobretudo à delação de Delcídio envolvendo a CPI dos Correios, Marcos Valério tenta novamente negociar uma delação premiada.

Nela, Valério deve esclarecer também fatos do escândalo que implicou o PSDB em Minas, além de poder reforçar as acusações do ex-senador. Com a negociação de Valério, a Justiça em Minas suspendeu temporariamente o processo do mensalão mineiro contra ele.

O empresário Carlinhos Cachoeira (direita), o ex-diretor da Delta, Cláudio Abreu (esquerda), e o empresário Adir Assad (centro) ao serem presos na Operação Saqueador. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Outra investigação emblemática, que acabou levando à cassação do ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), também voltou à tona recentemente.Deflagrada em 2012, a Operação Monte Carlo revelou a atuação de um grupo liderado por Carlos Augusto de Almeida Ramos - o Carlinhos Cachoeira - que explorava jogos de azar no Estado de Goiás. Na ocasião, Cachoeira chegou a ficar preso preventivamente por nove meses, e foi instaurada uma CPI na Câmara dos Deputados para apurar as atividades do grupo criminoso, que mantinha relações com vários políticos.

A comissão foi concluída sem pedir nenhum indiciamento. A Procuradoria da República em Goiás, por sua vez, apresentou desde então um total de seis denúncias contra os envolvidos (sendo a mais recente neste ano, contra o ex-deputado do PSDB Carlos Leréia) e Cachoeira chegou a ser condenado a mais de 39 anos de prisão.

Como a sentença foi em primeira instância, ele recorria em liberdade e voltou a ser preso em junho deste ano, graças a Operação Saqueador, que identificou que Cachoeira também seria um dos responsáveis por lavar dinheiro da construtora Delta, que atuou em diversas obras no Estado do Rio e é suspeita de ter pago milhões em propinas relativos aos empreendimentos nos quais atuou.

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Atualmente, Cachoeira segue preso e é réu na Justiça Federal no Rio acusado de lavar dinheiro para a Delta.

A própria Saqueador, iniciada como uma investigação decorrente dos trabalhos da CPI do Cachoeira, que identificou as suspeitas envolvendo a Delta no Rio, conseguiu seus principais avanços graças à atuação conjunta com a Lava Jato, em Curitiba, e as delações decorrentes dela.

Graças a um personagem em comum, o lobista Adir Assad - que teria utilizado suas empresas de fachada para lavar dinheiro do esquema na Petrobrás e no da Delta, no Rio -os procuradores do Rio e do Paraná atuaram em conjunto desde, pelo menos, 2015, para rastrear as atividades ilícitas do empresário. Com o apoio dos investigadores da Saqueador, que já tinham dados de empresas do lobista graças ao material da CPI do Cachoeira, os procuradores da Lava Jato pediram a prisão preventiva de Assad, que acabou ocorrendo em março de 2015 por ordem do juiz Sérgio Moro.

Assad conseguiu um recurso na época e deixou a prisão, mas pouco tempo depois foi alvo de outros três mandados de prisão, da Justiça Federal no Rio e no Paraná, e atualmente segue detido no Rio.

"Em 2015 ajudamos a Lava Jato em Curitiba e ai, em 2016, essas delações (da Andrade Gutierrez e da Carioca Engenharia) ajudaram a Saqueador. É uma relação de compartilhamento mútuo", afirma o procurador da República no Rio Leandro Mitidieri, responsável pela Saqueador.Ele lembra ainda que, com o material das duas investigações, o MPF conseguiu juntar elementos suficientes que culminaram na prisão do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) e outros membros de seu grupo político, acusado de cobrar propinas nas principais obras do governo estadual durante a gestão Cabral, de 2007 a 2014.

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As defesas de Carlos Cachoeira e de Adir Assad não foram localizadas na noite desta sexta-feira para comentar o caso.

A ÍNTEGRA DA NOTA DO MPRJ:

"O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informa que, em setembro deste ano, o promotor Rubem Viana declinou de sua atribuição para o Ministério Público Federal (MPF), uma vez que os fatos constitutivos do objeto envolvem parlamentares detentores de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal (STF), cabendo ao procurador-geral da República a investigação e eventual propositura de ação penal relativa aos fatos. O procedimento, portanto, já encontra-se no MPF."

COM A PALAVRA, A ASSESSORIA DE AÉCIO NEVES (PSDB):

"1 - O senador Aécio Neves jamais foi parte do inquérito que tramitou no Rio de Janeiro, cujos fatos investigações não guardam qualquer relação com o senador. Informamos que o inquérito em questão já foi encerrado pela Justiça do RJ, atendendo a recomendação de arquivamento feita pelo Ministério Público, que concluiu pela improcedência das acusações. (anexo)

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2 - Sobre a CPI dos Correios, não é verdadeira a declaração dada pelo ex-senador Delcídio Amaral. O próprio Delcídio afirmou que as referências feitas por ele ao senador Aécio foram com base exclusivamente em ouvir dizer de terceiros, o que demonstra a fragilidade da acusação.

A única referência concreta feita pelo ex-senador foi desmentida pela realidade. Trata-se de uma reunião ocorrida em Belo Horizonte, com o então governador de MG. Como a reunião ocorreu dois meses depois de encerrados os trabalhos da CPMI, fica evidente que não poderia ter havido, no encontro, nenhuma interferência nos trabalhos da Comissão.

As citações feitas por Delcídio também já foram desmentidas publicamente pelo então relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio, e pelos deputados que integraram a comissão Carlos Sampaio e Eduardo Paes por ele mencionados.

O senador Aécio Neves reafirma ao Estado de S. Paulo que jamais interferiu em investigações realizadas em qualquer Comissão Parlamentar. "

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