Recentemente foi noticiado que a Procuradoria da Fazenda Nacional insurgiu-se contra o deferimento do levantamento de valores por parte de réus em processos da Lava Jato. A manifestação de inconformidade teve resultado positivo e o juiz Sérgio Moro alterou sua decisão para manter o bloqueio dos bens em atendimento ao pedido de reconsideração do Fisco.
A questão que surgiu a partir daí foi: por que os órgãos da administração tributária estão intervindo nos processos criminais relativos à atos de corrupção que atingiram a Petrobrás? A resposta é muito simples: a expressão fiscal da União, isto é, a Fazenda Nacional, também é vítima de crime cometido em conjunto com todos os demais investigados na Operação Lava Jato, qual seja, a sonegação fiscal.
Os membros da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional são servidores públicos e, como tais, submetem-se ao princípio da legalidade estrita, devendo agir em rigoroso cumprimento da lei. É sabido que sobre qualquer ganho pecuniário deve incidir o imposto de renda. Isso significa que quando a autoridade tributária tem conhecimento do que chamamos de fato gerador - o auferimento de renda - ela tem a obrigação de efetuar o lançamento do tributo. Na mesma linha, constituído o crédito tributário, a Procuradoria da Fazenda Nacional tem o dever de efetuar sua cobrança (**).
Assim, considerando que a Receita Federal integra a equipe de investigações da Operação Lava Jato desde o início por conta do elevado conhecimento técnico dos auditores e analistas, é certo que seus agentes tomaram conhecimento de muitos fatos geradores de tributo e, por dever de ofício, efetuaram o lançamento de bilhões em créditos tributários. Aí ficou claro que não foram cometidos apenas crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, mas também havia sido omitida receita dos órgãos de fiscalização tributária, configurando os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/90.
Para a lei tributária, não importa se o recebimento de renda ocorreu de maneira ilícita. Importa que, sob a luz da igualdade com que devem ser tratados os cidadãos, todos devem contribuir com o sustento do Estado com a porcentagem incidente sobre seus rendimentos definida por lei. Isso porque é o dinheiro dos impostos que financia as atividades essenciais da União, Estados e Municípios, com destaque para saúde e educação.
Muitas discussões jurídicas surgem nesse ponto. Não sendo esse breve texto o local adequado para o aprofundamento dessas teses, basta observar que, questões contábeis complexas revelam que o superfaturamento de obras contratadas pela Petrobrás impactava o lucro declarado pela estatal e, consequentemente, tributos incidentes sobre essa base de cálculo deixavam de ser recolhidos. O mesmo raciocínio pode ser estendido à dedução das propinas como despesas na contabilidade das empresas que contratavam ela. O déficit decorrente das contabilidades irregulares era sentido nos cofres do Tesouro Nacional e prejudicou o atendimento das necessidades dos cidadãos. Criou-se uma economia paralela imune aos tributos.
Superado o ponto relativo à incidência da lei e ao surgimento dos créditos tributários, o grande problema que surgiu refere-se ao comprometimento do patrimônio dos novos devedores do Fisco (alguns não tão novos assim) com sequestros nos processos criminais e acordos de colaboração premiada, inviabilizando a cobrança das pessoas físicas responsáveis pelos tributos (por débito pessoal ou de pessoa jurídica da qual sejam responsáveis). Assim, a Procuradoria da Fazenda Nacional, como representante da vítima dos crimes de sonegação fiscal (União), passou a pleitear judicialmente que parte dos recursos indisponibilizados nos processos criminais seja destinado ao pagamento dos tributos devidos. Sem prejuízo, as medidas cabíveis são tomadas no juízo cível quando os requisitos legais autorizam.
Portanto, tanto a Receita Federal quanto a Procuradoria da Fazenda Nacional estão cumprindo sua missão institucional de cobrar os tributos daqueles grandes devedores e fraudadores para que a almejada Justiça Fiscal seja atingida.
(**) Elegemos o imposto de renda como foco deste texto por ser a grande vedete da Força Tarefa tributaria, mas outros tributos também podem ser cobrados nesse contexto.
*Procuradora da Fazenda Nacional e coordenadora da força-tarefa da PGFN para a Operação Lava Jato (esse texto teve a colaboração dos coordenadores dos núcleos especializados da força-tarefa)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.