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Quase 30 anos depois, ex-prefeito de Itu é condenado a devolver R$ 2,4 milhões

Ato improbo, segundo decisão judicial, ocorreu em 1996 e ação foi proposta em junho de 2000; um dos acusados morreu durante a ação; nos autos, advogados de defesa negaram irregularidades em processo licitatório para obras de manutenção na cidade do interior paulista; Lázaro José Piunti prepara recurso junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo e, ao Estadão, afirmou que a obra foi realizada e não houve dolo por parte da Prodemi, autarquia pública

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Foto do author Heitor Mazzoco
Atualização:

O ex-prefeito de Itu (SP) Lázaro José Piunti foi condenado a devolver solidariamente R$ 2,4 milhões (valor sem correção monetária) ao cofres do Município — junto ao ex-presidente da Progresso e Desenvolvimento do Município de Itu (Prodemi) Mário Speroni Junior e a empreiteira Consdon Engenharia e Comércio — por fraude licitatório e superfaturamento. O contrato para diversas obras de manutenção na cidade foi firmado em 1996 e a inicial da ação por improbidade administrativa foi distribuída em junho de 2000. A sentença da última quarta-feira, 12, cabe recurso junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

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Em meio a esse longo período de quase 30 anos entre a assinatura do contrato e a sentença, o Brasil teve cinco presidentes da República em sete eleições gerais, acompanhou a denúncia e julgamento do Mensalão e a ascensão e queda da maior operação contra corrupção do País: a Lava-Jato. No futebol, venceu a Copa do Mundo de 2002, último grande título da Seleção, sediou a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, no Rio. Piunti, inclusive, voltou a ser eleito prefeito em 2000 para o quarto e último mandato (2001-2004). Speroni Junior, segundo petição protocolada nesta sexta-feira, 14, morreu em julho de 2022. Piunti afirmou ao Estadão que contrato foi cumprido e as obras realizadas. Ele sustentou ainda que não cabe responsabilizar o Poder Executivo porque a Prodemi é autarquia. O ex-prefeito prepara recurso junto ao TJ-SP. O espaço está aberto para manifestação. O Estadão não conseguiu falar com a defesa da empreiteira e busca contato. Nos autos, todos negaram irregularidades (leia mais abaixo).

De acordo com documentos apresentados à Justiça, o contrato entre a autarquia Prodemi e a Consdon tinha como objetivo recapeamento, tapa-buracos, reconstrução e reforço de redes de captação e escoamento de águas fluviais e melhorias de margens de córregos da cidade. No entanto, segundo consta na sentença condenatória, o processo licitatório foi “marcado por vícios graves, incluindo descrição genérica do objeto, ausência de projeto básico adequado e publicidade deficiente do certame. Destaca ainda indícios de direcionamento da licitação, evidenciados pela participação restrita de apenas três empresas, sendo que duas delas apresentaram propostas manifestamente inexequíveis”.

Lazaro Piunti, em foto de fevereiro de 2000, em seu escritório, em Itu  Foto: Daniel Garcia/AE

O documento publicado no Diário de Justiça Eletrônica (DJE) da última quinta-feira, 13, cita ainda que “a análise financeira realizada demonstrou superfaturamento médio de 37% nos preços praticados, além de quantitativos superestimados, inclusão de serviços desnecessários e duplicidade de cobranças, gerando significativo prejuízo ao erário público”.

O magistrado da 3ª Vara Cível de Itu, Bruno Henrique de Fiore Manuel, citou na decisão laudo técnico apresentado por perito que avaliou as obras realizadas por meio do contrato de 1996. Segundo ele, “durante a execução, foram realizados diversos trabalhos e na 16ª medição foi pago o total de R$ 3.471.240,49 em serviços medidos; entretanto, a totalidade dos serviços não foi executada. O perito apurou que foram realizados serviços no total de R$ 1.383.506,96. As análises apontaram divergências expressivas entre os quantitativos previstos e executados”.

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No total, de acordo com levantamento pericial, foram identificados ao menos R$ 2,4 milhões de sobrepreço na execução de obras asfálticas. “Portanto, o laudo não apenas expõe falhas técnicas e financeiras, mas serve como um importante instrumento de transparência e controle dos gastos públicos, demonstrando a necessidade de rigorosa fiscalização nos processos de licitação e execução de obras municipais”, registrou o juiz Manuel.

Nos autos, o perito apontou que a camada de rolamento teve média de 3,71 cm, oscilando entre 2,0 e 5,9 cm. Já a pintura de ligação apresentou “deficiência em aproximadamente 78% das vias”. Por fim, “a inclusão e exclusão arbitrária de serviços e também o registro de quantidades sem comprovação”, consta na sentença.

Capa do processo: ação contra Piunti começou a tramitar em junho de 2000, quando as ações ainda eram em papel  Foto: Reprodução via TJ-SP

No mérito, a defesa de Piunti citou que o contrato questionado fora aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), que a licitação fora regular e aprovada por fiscalização do Ministério do Planejamento. Isso porque a maior parte dos recursos era oriunda dos cofres da União. A defesa rebateu alegações de sobrepreço, destacando que o valor final foi 20% menor que o orçado e negou improbidade administrativa por ausência de dolo ou culpa grave, enfatizando que as obras foram efetivamente realizadas e beneficiaram a população.

A defesa de Speroni Junior aderiu integralmente aos argumentos apresentados por Piunti. No mérito, requereu a improcedência total da ação, negando prejuízo ao erário ou irregularidades, destacando que as obras foram devidamente entregues e permaneceram em boas condições por mais de uma década.

Já a Consdon Engenharia e Comercio Ltda alegou prescrição sob argumento de que as obras foram realizadas em 1996 e apresentou o Termo de Aceitação Definitiva emitido em 23 de setembro daquele ano. Afirmou que o prazo prescricional era de cinco anos e que a citação ocorreu em 30 de setembro de 2005. A defesa citou ainda que as obras foram executadas conforme especificações técnicas. Apresentou ainda relatório federal que atestou “serviços de boa qualidade permitindo um bom tráfego”.

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Com a palavra, Lázaro José Piunti

Em primeiro lugar, a obra foi feita pela Prodemi, uma autarquia. Não assistiria ao Executivo cuidar do assunto. Número dois: a autarquia tinha um departamento de engenharia. Surpreendentemente, o engenheiro não é citado na obra, e é de matéria civil, matéria de asfalto. Terceiro, a pessoa que poderia dar todas as explicações, infelizmente, que era uma pessoa proba, honesta, senhor Mauro Speroni (Junior), faleceu. A quarta e última, é uma manifestação minha. O ato de improbidade administrativa não provocou dolo, e há farta jurisprudência, já é matéria de repercussão geral, que não havendo dolo, não há crime a punir.

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