A mídia tem divulgado a operação policial de busca e apreensão realizada na residência do casal suspeito de participação de supostos insultos verbais direcionados ao ministro Alexandre de Moraes no Aeroporto Internacional de Roma, na Itália. Durante essa ação, foram apreendidos um computador e um celular. Os mandados de busca foram emitidos pela ministra Rosa Weber, que ocupa a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
É incontestável que não é permitido a ninguém, sob qualquer circunstância, difamar ou insultar a reputação de qualquer pessoa, seja ela um indivíduo comum, uma autoridade pública ou um político. A liberdade individual de manifestação do pensamento não é absoluta e seu exercício encontra limites. O autor de manifestações abusivas deve responder por elas, inclusive criminalmente.
No entanto, fica evidente que estamos diante de mais um inaceitável caso de "foro privilegiado pela função da vítima", um fenômeno em que as autoridades detentoras de cargos importantes são protegidas por medidas especiais de investigação e processamento. Nesta situação em particular, o ministro do Supremo Tribunal Federal é a suposta vítima, enquanto os suspeitos, que não possuem foro por prerrogativa de função, são apontados como autores dos crimes de injúria e difamação. Curiosamente, o caso está sendo conduzido pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Daí porque, dentre outros motivos, a operação policial determinada pelo STF tem gerado críticas e preocupação entre advogados e juristas. A medida é considerada extremamente desproporcional e inusitada, pois se as agressões verbais foram assacadas em outro país, na longínqua cidade de Roma, na Itália, certamente não deixaram vestígios na residência ou no automóvel dos suspeitos aqui no Brasil, a justificar uma verdadeira devassa contra os suspeitos e seus familiares.
A justificativa de verificar se os suspeitos estavam envolvidos em "atos antidemocráticos" contra as urnas eletrônicas ou "atos golpistas" não se sustenta, uma vez que não há indícios nesse sentido com base nos fatos divulgados. Fica evidente que o Supremo Tribunal Federal busca, dessa forma, justificar sua competência para atuar no caso, especialmente considerandoque a suposta vítima é um de seus membros. No entanto, mesmo essa circunstância não seria suficiente para justificar sua competência nesse caso específico.
Por essas razões, é natural que surjam questionamentos legítimos a respeito da extensão e da motivação por trás dessa determinação judicial. Tudo também indica que estamos diante de medidas conhecidas como "fishing expedition", caracterizada por uma busca indiscriminada por qualquer evidência incriminatória, independentemente de sua relação direta com os crimes em questão. Essa prática é vedada em nosso ordenamento jurídico, segundo afirmado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (Inq 4118, Relator Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 08/05/2018, Acórdão Eletrônico - DJe-185 divulgado em 04-09-2018).
O que chama ainda mais atenção é o fato de que essa prática está sendo conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, instituição responsável por garantir o respeito à Constituição Federal. Além disso, é igualmente surpreendente que a medida tenha recebido a aprovação do Ministério Público Federal, representado pela Procuradoria-Geral da República. O Ministério Público é um órgão encarregado de zelar pela rigorosa aplicação da lei e tem como missão a defesa do regime democrático.
No contexto atual, em que a separação de poderes e a independência dos órgãos estatais são fundamentais para o bom funcionamento do sistema democrático, é essencial que a atuação das instituições seja pautada pela transparência, imparcialidade e respeito aos direitos individuais.
A busca pela verdade e a responsabilização pelos crimes supostamente cometidos contra um ministro do Supremo Tribunal Federal são objetivos legítimos. No entanto, é fundamental garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais, estejam dentro dos limites legais e sejam embasadas em evidências concretas.
Além disso, é imperativo respeitar o princípio do "Juiz Natural", seguindo rigorosamente as regras de fixação de competência e proibindo juízos extraordinários ou tribunais de exceção. Somente dessa forma poderemos preservar a integridade do sistema de justiça e manter a confiança da população nas instituições responsáveis pela aplicação da lei.
*Saad Mazloum é procurador de Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo