Ante algumas inconsistências práticas que foram observadas ao longo dos anos na aplicação da LIA, a Câmara dos Deputados deliberou acerca do Projeto de Lei 10.887/18, o qual traz alguns pontos que vêm sendo indicados como retrocesso no combate à corrupção. Destaca-se três: supressão da improbidade culposa; retirada da legitimidade das advocacias públicas para a proposição de ações de improbidade e modificações no art. 11, que trata dos atos contrários aos princípios da Administração Pública.
De início, é importante ressaltar que se trata de formação do direito, portanto, de escolha política. A posição de cada crítico está sob o comando das ideias que possui sobre a melhor "política" de combate à corrupção. Quem cria o direito são os políticos e também são eles os principais sujeitos ativos de atos de improbidade, já que também são os gestores da função administrativa. Definir as mudanças legislativas propostas como autoproteção dos políticos é interditar a possibilidade de um debate essencialmente ideológico com argumento antidemocrático.
O texto aprovado excluiu a possibilidade de improbidade na modalidade culposa, restringindo as graves penas da LIA ao agente público que atuar por vontade livre e consciente, almejando a ilicitude. Afastou-se a corrupção "por acidente", se é que isso possível de ser concebido: a corrupção por imprudência, imperícia ou negligência. Para tais erros administrativos, o sistema jurídico continua oferecendo respostas, como os crimes de responsabilidade e as infrações disciplinares. Ou seja, o remédio é distinto da hipótese de improbidade.
Já a legitimidade exclusiva do Ministério Público para ações de improbidade, com a exclusão das advocacias públicas, é matéria sensível que possui bons parâmetros para pontos de vista divergentes. Se de um lado, a redução do órgão legitimado tem o condão de impactar negativamente no número de ações de improbidade nos milhares de entes federativos brasileiros, de outro, a legitimidade das advocacias públicas gera uma disfunção no sistema em razão da precariedade desses órgãos em âmbito municipal e em alguns estados da federação, com a possibilidade nada republicana de gestores locais sobre tais órgãos e instrumentalização de tal legitimidade para perseguir adversários políticos de gestões anteriores. As duas perspectivas razoáveis permitem uma escolha política livre por parte do parlamento.
Por fim, o rol taxativo dos atos de improbidade atentatórios aos princípios da Administração Pública é medida que tem endereço certo: a tipificação aberta das condutas ímprobas com base no art. 11 é subsidiária. O texto aprovado na Câmara apresenta improbidade como enriquecimento ilícito (art. 9º) ou dano ao erário (art. 10), uma vez que exige que a improbidade contra os princípios requer de seu autor "o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade" (§ 1º, art. 11), ainda que tal intento não seja concretizado.
Nessa linha, propõe-se também a mudança radical nas sanções que poderão ser aplicadas a partir do art. 11, vez que a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública passam a não ser sanções indicadas para atos de improbidade contra princípios, criando de antemão critérios de proporcionalidade tanto na interposição de ações, quanto na apenação de condutas.
Assim, procedeu-se a aumento no prazo da suspensão dos direitos políticos para a improbidade por enriquecimento ilícito ou dano ao erário, que passaram a ostentar um aumento no limite máximo de 4 (quatro) anos, passando a ser de catorze e doze anos, respectivamente. Endureceu-se a pena de suspensão para atos que realmente são de corrupção, ao tempo em que se retiraram tais sanções da tipificação que serve como salvaguarda ampla e mais aberta à condenação sem parâmetros.
A verdade é que o legislador está fazendo uma escolha constitucional e legitima por definir quais as doenças da Administração Pública serão tratadas com a ação de improbidade administrativa. Fica de fora o mero erro administrativo, os equívocos, as irregularidades e a ineficiência A bula do remédio passa a estar escrita com informações mais seguras para gestores, servidores e órgãos de controle. No final das contas, a prescrição médica estará mais forte para, calibrando a dosagem do remédio, atingir os agentes causadores da doença.
*Marilene Carneiro Matos é advogada, presidente da Comissão de Direito Administrativo da ABA e mestre em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
*Antonio Rodrigo Machado é advogado, mestre em Direito. Professor de Direito Administrativo