Ao vasculhar o conteúdo dos celulares dos policiais militares suspeitos de vazarem informações para o PCC e integrarem a escolta de faccionados, a Corregedoria da PM de São Paulo descobriu um grupo de Whatsapp que se autodenomina ‘Só rapazes bonitos e envolvidos’.
Por meio desse canal, os PMs organizavam a segurança privada do delator Antônio Vinícius Gritzbach, fuzilado na tarde de 8 de novembro do ano passado no Aeroporto Internacional em Guarulhos.
O acesso às mensagens armazenadas no ‘rapazes bonitos’ mostra que os PMs conversavam inclusive sobre pagamentos supostamente feitos pelo tenente Garcia, o organizador da escolta, e a rotina da equipe que acompanhou Gritzbach em uma visita ao Fórum da Barra Funda no início do ano passado.
O achado partiu do celular de Leandro Ortiz, PM lotado no 18º Batalhão de Polícia Militar, na zona Norte da cidade. Ortiz era segurança dos filhos de Gritzbach, alvo de ameaças de morte desde que fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público e denunciou policiais militares e civis por corrupção.
Leandro Ortiz foi preso pela Corregedoria na última quinta, 16, com outros 15 PMs sob suspeita de ligação com o PCC e com o assassinato do delator.
Segundo a PM, Ortiz e seus colegas fariam parte do núcleo ‘segurança’ da organização criminosa que o PCC infiltrou na corporação.
No celular do soldado Ortiz, os investigadores encontraram o ‘só rapazes bonitos e envolvidos’. Também faziam parte desse grupo os cabos Leonardo e Romarks e os soldados Eick, Ribeiro, Marques, Eicard, Alef, Chagas e Samuel Tillvitz.
Ribeiro e Alef foram os primeiros elos encontrados pela Corregedoria entre a escolta de Gritzbach e a suspeita de vazamento de informações, por parte de policiais da Rota, para livrar integrantes do PCC de prisões e ‘proteger’ os negócios da facção.
Tillvitz é o militar que presenciou o assassinato de Gritzbach no aeroporto após desembarcar, com o delator, de uma viagem a Maceió naquela tarde de novembro.A Corregedoria encontrou outros grupos de Whatsapp em que os PMs organizavam as escoltas: ‘Eq+ Bravo Praças VIP’, ‘Seg Rafa’ e ‘VIP V’.

Mensagens recuperadas indicam que os dois primeiros grupos, assim como o ‘Rapazes bonitos e envolvidos’, eram operacionais e abrigavam PMs que se ocupavam da segurança da família de Gritzbach. ‘Seg Rafa’, especificamente, indica tratar da escolta do filho de 10 anos do delator do PCC.
‘VIP V’, por seu lado, contava com o tenente Garcia. Em certa ocasião, o oficial deu uma bronca nos colegas por problemas de manutenção dos carros usados por eles.
Sargento do Exército fazia parte do ‘Rapazes bonitos e envolvidos’
A lista de integrantes do grupo ainda levanta suspeitas sobre um 3º sargento do Exército. Entre os participantes do ‘Rapazes bonitos e envolvidos’ havia o contato ‘Haelson’, que a Corregedoria diz se referir ao militar do Exército e técnico de enfermagem Douglas de Lima Haensel.Seu nome aparece nas escalas da escolta de Vinícius Gritzbach.
A Corregedoria também identificou no celular do soldado Leandro Ortiz fotos da divisão de escala dos policiais guarda-costas de Gritzbach e os valores que eles recebiam, semana a semana, pelo serviço.
O nome do sargento do Exército aparece nas imagens referentes às duas primeiras semanas de agosto e à primeira semana de julho.Em agosto, o nome do militar figura na ‘equipe B’. Na tabela de julho, ele consta como ‘folguista’.
Uma planilha indica que Haensel teria valores a receber, por serviços na segunda semana de agosto. Segundo o documento, o sargento trabalhou dois dias na escolta da família de Gritzbach e teria recebido R$ 800 pelo serviço.
No grupo de Whatsapp dos PMs, a Corregedoria também localizou mensagens que apontam problemas na Amarok, o carro que seria usado para pegar Gritzbach no aeroporto, quando ele chegou de Maceió, mas que ficou parado em um posto de combustíveis nas imediações supostamente por causa de uma pane.
Cinco dias antes do assassinato do delator, o soldado Leonardo Cherry de Souza enviou um áudio em que relatava o ‘trabalho’ para ligar o carro.

’Os cara da Rota tentou tomar esse bico’
No celular do soldado Jefferson Silva Marques, a Corregedoria encontrou desabafos e detalhes sobre a escolta do delator. Em uma conversa com um contato nomeado ‘Eduardo P2′, Jefferson escreveu: “QRU não é mano... você tem conhecimento do bravo que os cara faz para aquele maluco da zona leste? Mano esses cara tão fazendo um inferno lá na cia. Bando de pau no cu.”
O interlocutor de Jefferson questionou: “Então mano que bico é esse, mas porque os caras da ROTA estão interessados nesse QRU.”
Segundo o soldado, o grupo estaria tentando desvincular o nome de um dos PMs da escolta de Gritzbach, Alef, da Rota. Ele foi flagrado fazendo a segurança do delator e acabou transferido de quartel. “Espirraram o Alef de lá por conta desse bico, e tão queimando ele aonde ele vai. Só que isso arrastou os demais mikes que fazem esse bico. Os cara da rota tentou tomar esse bico inclusive”.
Jefferson explicou qual era o ‘bico’: um ‘vip’ acusado de mandar matar ‘um maluco do partido e qru de lavagem de dinheiro, só que ele foi absolvido’. Ele estava se referindo ao fato de Gritzbach ser acusado de mandar matar ‘Cara Preta’, do PCC, e seu motorista, ‘Sem Sangue’, em dezembro de 2021, supostamente em razão de um “desacordo comercial”. Também indicava que Gritzbach era um delator da facção.
O soldado seguiu: “Só que os cara do bta (batalhão) estão inventando uma par de coisa. Lixentos em.”
O interlocutor de Jefferson se mostrou interessado na escolta. “Então os mikes são sem novidades, dá para trampar no pelotão de boa?”. “Lógico que dá po”, respondeu Jefferson.