Em uma votação relâmpago, o Supremo Tribunal Federal suspendeu nesta quarta-feira, 7, por 10 votos a 1, a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de Curitiba para o presídio de Tremembé, no interior de São Paulo. A decisão da Corte ocorreu menos de nove horas após a juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena do petista, autorizar a mudança.
O ex-presidente está preso desde abril de 2018 em uma sala especial da Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense. A decisão de Carolina, da 12.ª Vara Federal de Curitiba, atendeu a um pedido da própria PF, que alegou "transtorno às funções do órgão". Além da PF, a prefeitura da cidade também já havia solicitado a transferência do ex-presidente. Segundo o site do jornal Gazeta do Povo, a manutenção de Lula no local já custou R$ 4,8 milhões aos cofres públicos (cerca de R$ 300 mil ao mês) - a informação foi confirmada pelo Estado.
"Não mais subsiste razão para a manutenção do executado (Lula) neste Estado do Paraná", decidiu Carolina, por volta das 8h30.
Em seguida, o juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, coordenador e corregedor dos presídios de São Paulo, determinou que o destino do ex-presidente fosse a penitenciária II de Tremembé, no Vale do Paraíba, conhecida por receber presos famosos - entre eles Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha, Isabela, e Gil Rugai, que matou o pai e a madrasta.
A defesa de Lula recorreu ao Supremo com o argumento de que a transferência para um estabelecimento prisional comum seria "descabida" e "ilegal". Segundo o advogado Cristiano Zanin, na condição de ex-presidente, o petista deve ser acomodado em uma sala de Estado-Maior.
Uma mobilização de deputados, liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), também colaborou para a rápida decisão do STF a favor de Lula nesta quarta-feira, 7.
"Hoje (quarta-feira, 7) o Supremo mostrou que vai respeitar o devido processo legal, que aplica a Constituição e isso renova nossa expectativa para que o ex-presidente Lula tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente", afirmou Zanin após a decisão da Corte, acrescentando que a transferência seria uma "violência jurídica".
No recurso encaminhado ao Supremo, a defesa fazia três pedidos: a liberdade de Lula, a suspensão da transferência para São Paulo e a permanência na sala da Superintendência da PF. Os ministros só atenderam aos dois últimos. Consultada no julgamento, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, opinou por suspender a transferência e manter Lula em Curitiba.
Regime. Em abril, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, mas reduziu a pena imposta ao petista pelo TRF-4 de 12 anos e 1 mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão.
Um recurso da defesa de Lula para migrar para o regime aberto aguarda uma decisão do colegiado. Ministros do STJ ouvidos reservadamente pelo Estado acreditam que cabe a Carolina Lebbos, e não ao tribunal, decidir sobre uma eventual migração de regime.
A internação do ministro-relator da Lava Jato no STJ, Felix Fischer, que se recupera de uma embolia pulmonar, no entanto, pode atrasar a análise do caso, cogitada inicialmente para este mês.
Relatoria. Inicialmente, a defesa de Lula encaminhou o pedido para suspender a transferência ao ministro do STF Gilmar Mendes, que pediu vista em dezembro do ano passado no julgamento em que o petista acusa o ex-juiz federal Sérgio Moro de agir com parcialidade. O recurso, porém, foi enviado pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ao colega Edson Fachin, que cuida dos processos da Lava Jato no Supremo.
Pouco antes, Toffoli havia se reunido com parlamentares de diversos partidos, a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defendiam frear a "escalada autoritária" do Paraná.
Logo após a definição de que seria responsável por analisar o pedido da defesa de Lula, Fachin iniciou a leitura do voto em que suspendeu a transferência. "A matéria se revela de indiscutível urgência. Estou trazendo o deferimento à luz do poder geral de cautela", disse o relator, que submeteu a sua decisão imediatamente para referendo dos colegas na mesma sessão.
Em menos de 15 minutos, a maioria dos ministros concordaram em suspender a transferências.
Único voto contrário, Marco Aurélio vê 'queima de etapas'
Autor do único voto no Supremo que divergiu da decisão de suspender a transferência do ex-presidente Lula, o ministros Marco Aurélio Mello disse que a Corte não é o "foro próprio" para avaliar a decisão da juíza Carolina Lebbos.
"Qual é o ato que está sendo apreciado pelo Supremo? É um ato único da juíza de Execuções Penais de Curitiba. Os atos não estão submetidos à jurisdição do Supremo. Os atos da juíza devem ser impugnados no foro próprio", afirmou.
"Não posso conceber que este tribunal endosse a queima de etapas, e nós aprendemos desde sempre que, no Direito, o meio justifica o fim, não o fim justifica o meio." Marco Aurélio questionou qual seria o fundamento para o Supremo se pronunciar a respeito da matéria. "Nada, absolutamente nada", ele mesmo respondeu.
Para o ministro, a defesa deveria ter recorrido "ao órgão revisor do juízo de Curitiba". "No entanto, diante deste contexto, dentro de uma decisão de primeira instância, acolhe-se pleito de pronunciamento imediato do Supremo, menosprezando-se a organização judiciária, menosprezando-se a existência de um órgão revisor, competente para apreciar decisões da primeira instância." / COLABORARAM PEPITA ORTEGA, FAUSTO MACEDO, RICARDO GALHARDO e RICARDO BRANDT