O Superior Tribunal de Justiça (STJ) se prepara para decidir o que um juiz pode fazer quando estiver diante de uma ação que lhe parecer fraudulenta. Está em discussão, por exemplo, se o magistrado poderá exigir documentos adicionais, como procuração atualizada em nome do advogado, declaração de pobreza, comprovante de residência e até cópia de extratos bancários.
Os processos fraudulentos são conhecidos no meio jurídico pelo jargão “litigância predatória”. O termo sintetiza o fenômeno de ações apresentadas em série por um mesmo escritório, por meio de petições padronizadas em nome de pessoas vulneráveis, para enriquecimento ilícito do advogado.
O debate no STJ opõe magistrados e advogados. De um lado, associações de juízes defendem a autonomia da classe para exigir novos documentos das partes do processo para verificar que o pedido é autêntico e, se entender que há irregularidade, extinguir a ação sem julgar o caso. Um dos principais argumentos é que a medida poderá diminuir a fila de processos no sistema de justiça, excluindo ações “criadas artificialmente”.
Na outra ponta, os advogados temem entraves para o exercício da defesa e o acesso ao Poder Judiciário. Um dos problemas, na avaliação da categoria, é diferenciar a ação “predatória” de demandas recorrentes e legítimas, o que segundo argumentam poderia prejudicar advogados que atuam de forma correta. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) acompanham de perto o debate.
Advogados relataram, em audiência pública no STJ, que magistrados estariam pesando a mão com exigências, na avaliação da classe, desproporcionais, como procurações manuais no lugar das assinadas digitalmente e notificações para os clientes se apresentarem em juízo, além de pedidos de gratuidade supostamente negados sem justificativa.
O relator do caso é o ministro Moura Ribeiro. Foi ele quem convocou a audiência pública no mês passado para ouvir os argumentos de magistrados, advogados e pesquisadores antes de colocar o tema em votação. Há processos suspensos aguardando o STJ bater o martelo.
Aumento da desigualdade
Pesquisadores e professores de Direito da USP, Unesp, UFMG e FGV de São Paulo se uniram para enviar dados sobre o tema ao STJ. Eles concluem que, se a tese for aprovada, a tendência é que mulheres negras, pobres e de baixa escolaridade sejam prejudicadas, por terem menos capacidade de arcar com as custas dos processos.
“Há, portanto, alto risco de que o precedente, ao aumentar as exigências formais e documentais para a parte que litiga contra entes de maior porte, signifique a ampliação das já imensas desigualdades sociais brasileiras”, diz um trecho do documento.
Os especialistas também defendem que são as grandes empresas, como bancos, empresas de telecomunicação, seguradoras e operadoras de saúde, que sobrecarregam o sistema de justiça. “O grande volume de litígios enfrentados pelo Judiciário brasileiro não decorre do excesso de acesso à justiça, mas sim da alta taxa de violações de direitos experienciados pelos brasileiros”, argumentam.