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Toffoli compartilha com CGU e Congresso relatório sobre suspeitas de peculato na base da Lava Jato

Ministro do Supremo determinou compartilhamento do acórdão da inspeção realizada pelo Conselho Nacional de Justiça na 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba e gabinetes de desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre; lavrado em junho, documento foi enviado a seu gabinete em razão da conexão da inspeção com a reclamação na qual o ministro determinou a anulação de todas as provas da leniência da Odebrecht por suposto ‘conluio’ entre a força-tarefa da Operação e o juízo federal

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Foto do author Pepita Ortega
Atualização:

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou o compartilhamento, com o Congresso e órgãos de controle como a Controladoria-Geral da União, do relatório da inspeção do Conselho Nacional de Justiça que levantou indícios de crimes de peculato-desvio, prevaricação, corrupção privilegiada ou passiva no berço da Operação Lava Jato.

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Toffoli ainda encartou no relatório do CNJ um documento em que a J&F Investimentos, dos irmãos Batista, alega suposta ‘parceria escusa’ entre o Ministério Público Federal e a Transparência Internacional “que deixaria a cargo da entidade a gestão” de R$ 2,3 bilhões do acordo de leniência firmado pela empresa.

Em nota, a Transparência Internacional afirmou que a J&F “tenta imputar atos reconhecidamente falsos à organização” e que “jamais recebeu, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil”.

O ministro do STF Dias Toffoli Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

“A organização tampouco teria — e jamais pleiteou — qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional – Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção, incluindo a recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos”, sustentou a entidade.

A Transparência Internacional Brasil sustentou ainda que Toffoli contrariou posição da Procuradoria-Geral da República, que, em outubro, promoveu o arquivamento da investigação sobre a organização aberta em fevereiro com base nas mesmas alegações.

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Os documentos foram encaminhados à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Advocacia-Geral da União, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e às presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.

Correição

O principal documento encaminhado por Toffoli é o acórdão da inspeção realizada na 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba e em gabinetes da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre.

O documento foi lavrado em junho, após o CNJ aprovar o documento com os achados sobre o berço da Lava Jato. Toffoli recebeu cópia do acórdão por causa da conexão da inspeção com a reclamação na qual o ministro determinou a anulação de todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht por suposto ‘conluio’ entre a força-tarefa da operação e a 13.ª Vara Federal de Curitiba.

A Procuradoria-Geral da República também recebeu uma via do documento. O CNJ considerou que as informações levantadas pela Corregedoria deveriam ser levadas à PGR para que, ‘caso entenda pertinente e no uso da autonomia e competência, apure as hipóteses de ilícitos penais em tese identificadas’.

O documento que agora está, oficialmente, com o Congresso e os órgãos de controle, contém dois relatórios: o preliminar, de setembro de 2023, e o complementar, datado de abril - este aborda uma hipótese criminal de peculato-desvio e ‘delitos adjacentes’.

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Como antecipou o Estadão, um documento elenca cinco hipóteses criminais envolvendo a tese de suposto ‘conluio’ entre o ex-juiz Sérgio Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol e a juíza Gabriela Hardt. O objetivo da aliança, segundo o relatório, seria um ‘desvio’ da ordem de R$ 2,5 bilhões. O montante teria como destino os cofres da polêmica fundação da Lava Jato, que nunca saiu do papel.

A PF descreve que, entre 2016 e 2019, Moro, Hardt e Deltan teriam promovido desvios ‘por meio de um conjunto de atos comissivos e omissivos’. Para ilustrar o documento distribuído a todos os conselheiros do CNJ que estão julgando a Lava Jato e seus personagens, um gráfico exibe o ‘fluxo de eventos’ descritos na hipótese criminal.

‘Conluio’

No centro da suspeita de suposto conluio para o desvio da multa da Petrobrás, a Polícia Federal sustenta que Moro, então juiz titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ‘foi o responsável por instaurar, voluntariamente, o processo sigiloso para permitir o repasse não questionado de valores’ para a Petrobrás. Moro rebate. ‘Mera ficção.’

À época, segundo o documento, os investigados já sabiam das apurações dos EUA sobre a petrolífera e tinham a ‘intenção de promover o direcionamento’ de parte da multa que seria aplicada à empresa ‘vítima’ de delitos que a Lava Jato descobriu - corrupção, lavagem de dinheiro e cartel das gigantes da construção, no período entre 2003 e 2014.

A juíza Gabriela Hardt foi citada por ter homologado, em 2019, o acordo que previa o repasse dos recursos para a fundação da Lava Jato - iniciativa que acabou barrada pelo Supremo Tribunal Federal. A imputação foi o que pesou mais para o decreto de afastamento da magistrada, ato monocrático do ministro Luís Felipe Salomão derrubado pelo CNJ.

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Transparência Internacional

Na petição juntada por Toffoli aos relatórios do CNJ, a J&F alega suposta ‘parceria escusa’ entre o Ministério Público Federal e a Transparência Internacional “que deixaria a cargo da entidade a gestão” de R$ 2,3 bilhões do acordo de leniência firmado pela empresa. Segundo a companhia dos irmãos Batista, a intenção era a “criação de uma plataforma política de políticos lavajatistas”.

A J&F evocou a “periculosidade e a organicidade do projeto de poder firmado pelo consórcio TI/lava-jato” e alegou a “a necessidade de punição criminal, cível, política e administrativa dos agentes públicos e privados envolvidos”.

COM A PALAVRA, A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL

A Transparência Internacional - Brasil recebe com surpresa a notícia de que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ignorou a posição da Procuradoria-Geral da República e acatou pedido da empresa J&F que tenta imputar atos reconhecidamente falsos à organização. Em outubro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, promoveu o arquivamento da investigação contra a organização — aberta pelo próprio ministro, em fevereiro deste ano, com base nas mesmas alegações falsas — e apontou, em sua manifestação, ausência de fatos concretos e elementos mínimos que indicassem ocorrência de prática criminosa e justicassem a investigação. A petição da J&F, submetida oito meses depois do prazo limite para manifestação estabelecido pelo ministro, foi respondida pela Transparência Internacional – Brasil, que apontou não só a violação de prazo, mas também a falsidade das alegações. Em sua manifestação extemporânea, a J&F reitera seu assédio judicial contra a Transparência Internacional, apresentando, mais uma vez, narrativa construída através de graves distorções e omissões factuais e documentais, citações editadas de maneira descontextualizada e referências a matérias com conteúdos difamatórios, publicadas em veículo patrocinado pela própria empresa. A Transparência Internacional jamais recebeu, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria — e jamais pleiteou — qualquer papel de gestão de tais recursos. Há uma clara tentativa de distorcer os fatos e o papel da Transparência Internacional. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional – Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção, incluindo a recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O Memorando de Entendimento que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando assim qualquer participação da Transparência Internacional. As alegações apresentadas pela J&F já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal e, mais recentemente, pela Procuradoria-Geral da República. Apesar disso, estas fake news vêm sendo utilizadas há quase cinco anos em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio à organização.

COM A PALAVRA, A J&F

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A J&F repudia as declarações infundadas da Transparência Internacional, que, ao criticar o compartilhamento de informações pelo ministro Dias Toffoli, revela mais interesse em desviar o foco do que em promover a verdadeira transparência e o combate à corrupção. É lamentável que uma organização que se intitula defensora da transparência demonstre aversão a processos investigativos que visam esclarecer possíveis irregularidades.

A J&F reafirma que a Transparência Internacional, em diversas ocasiões, tentou insistentemente se apropriar de recursos financeiros vinculados ao acordo de leniência.

A J&F não cederá a tentativas de manipulação ou pressão, especialmente quando estas buscam subverter os reais propósitos da justiça.

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