Com surpresa e alegria leio nos jornais a compensadora notícia de que a atual revisão do Plano Diretor abriu caminho para a transformação do Jockey Club em um parque municipal.
É notória e conhecida a grande carência de áreas verdes voltadas a propósitos ambientais e ao lazer público na cidade de São Paulo.
Em seu crescimento a cidade tem-se progressivamente impermeabilizado com concreto e asfalto, descuidando-se de providências voltadas a resguardar sua qualidade ambiental e sua capacidade hidrológica de reter águas de chuva. As consequências desse grave descuido não fizeram por esperar: enorme déficit ambiental e enorme aumento do escoamento superficial de águas pluviais, principal fator causal de enchentes cada vez mais comuns e graves.
Esse quadro negativo exige que a capital paulistana adote uma estratégia corajosa e ambiciosa de criação de novas áreas verdes florestadas, condição em que se tem a maximização dos benefícios ambientais e hidrológicos para os quais urbanisticamente se vocacionam.
A transformação do atual Jockey Club, com sua área de 60 hectares, em algo semelhante ao Parque Ibirapuera poderá significar um ato demonstrativo da disposição da cidade em abraçar essa estratégia.
Há muitos fatores históricos e funcionais que sugerem a pertinência e a justeza dessa proposta. O Jockey Club da Cidade Jardim (Hipódromo de Cidade Jardim) tem a administração pública como agente essencial em sua criação e em sua sustentação desde sua origem. Inaugurado em 1941 foi idealizado por Fábio Prado, seu então presidente e, por feliz coincidência, Prefeito de São Paulo. A viabilização do empreendimento envolveu o interesse direto da Cia City, que buscava a valorização da região, e a cessão para a municipalidade da área ocupada pelo antigo Hipódromo da Mooca.
Mas o que pareceu ser à época um bom arranjo negocial para as instituições envolvidas, hoje, com a plena consolidação da expansão urbana da capital para sua zona oeste e seu uso e ocupação por milhões de paulistanos, o antigo arranjo deixa dúvidas sobre sua pertinência social.
O Jockey, tendo como seu carro-chefe de atrações as corridas de cavalo, atende somente as expectativas de alguns poucos milhares de aficionados desse esporte e de seu sistema de apostas. Um gigantesco empreendimento com um minúsculo alcance social em uma cidade em que milhões de habitantes carecem de áreas de lazer e de uma melhor qualidade ambiental de vida.
Essa necessidade de que tal patrimônio tenha um melhor e mais humano resultado social não tem passado despercebida das autoridades públicas municipais. Projetos de requalificação do Jockey tem se sucedido no intuito de melhor integrar o espaço à cidade e de equacionar as grandes dívidas do clube com a Prefeitura paulistana. Mas não tem alcançado esse intento, perdendo-se nas naturais e sucessivas mudanças de comando do clube e da Prefeitura. É preciso que decisões desse tipo, para sua consistência e garantia de execução, envolvam representações sociais e políticas mais amplas, como a Câmara Municipal e as representações comunitárias de bairro. Sem esse fator emulante, sua tendência natural é o arrefecimento.
E é preciso mais coragem e ousadia, a transformação que se faz socialmente necessária deverá incluir a seção de nova área em região externa da cidade para que um novo Jockey se instale, condição indispensável para o reaproveitamento público integral da atual área ocupada pela instituição.
Nesse quadro, a área hoje ocupada pelo Jockey seria radicalmente transformada, abrigando um grande bosque florestado (algo como 34 ha) na área hoje ocupada pelas pistas de corrida, e um grande número de funções de lazer, artísticas, esportivas e culturais em suas áreas construídas. Essas as idéias básicas para um projeto a ser concebido, talvez via um concurso público especificamente voltado para tanto.
*Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo. Ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia. Autor dos livros Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática, A Grande Barreira da Serra do Mar, Diálogos Geológicos, Cubatão, Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções, Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica, Cidades e Geologia. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente