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Tribunal do Trabalho condena locadora de carros a indenizar ex-funcionária chamada de 'múmia' que era obrigada a usar batom e cobrir tatuagens com fita adesiva

Desembargadores do TRT da 10.ª Região, no Distrito Federal, consideraram tratamento 'vexatório e humilhante' e aplicaram à empresa sanção de RS 14.275 a título de danos morais

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Atualização:

Sede do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), Brasília. Foto: Divulgação

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) condenou uma locadora de carros do Distrito Federal a pagar R$ 14.275 de indenização por danos morais a uma ex-funcionária, que era obrigada a usar batom e cobrir diariamente as tatuagens com fita adesiva, sob o risco de demissão. A decisão, em primeira instância, da juíza do Trabalho substituta Katarina Roberta Mousinho de Matos Brandão considerou o tratamento adotado pela empresa como "vexatório e humilhante, atentando contra sua dignidade e ocasionando profundo abalo psicológico". 

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A locadora também terá que arcar com outros pagamentos, como horas extras, descansos semanais, intervalo intrajornada suprimido, sobreaviso, feriados trabalhados e ressarcimento de despesa. O custo da ação é de R$ 266.089,97, mas ainda cabe recurso. No processo, a autora relatou que foi admitida em janeiro de 2014, na função de auxiliar de atendimento externo, sendo dispensada sem justa causa em dezembro de 2019.

A trabalhadora contou, nos autos, que além de ser obrigada a usar batom, recebia  tratamento negativo por ter tatuagem, a qual deveria ser coberta com uma fita adesiva sob pena de demissão, chegando a ser chamada de "atendente múmia". O mesmo, segundo ela, acontecia com outras colegas. 

A empresa negou causar danos morais, e admitiu que "era sugerido o uso de meia calça, uma demanda interna, mas [...] exigida só para as mulheres; que não tinha problema ter tatuagem, mas era sugerido que a tatuagem fosse coberta, o que era uma situação sugerida pela empresa, mas não acarretava punição". Contudo, o documento apontou não haver imposições semelhantes aos homens. 

Em outro trecho, a organização afirmou que "no mundo atual, onde as mulheres sustentam um 'make' pesado e delas saltam os cílios postiços, batons de todas as cores, enormes unhas de variados tipos de material, grossas sobrancelhas e outras coisas mais, exceções à regra são as mulheres que vão trabalhar sem passar um batom". Disse, ainda, que a trabalhadora usaria maquiagem em qualquer outro posto de trabalho até porque é "jovem, bonita e certamente zelosa pela sua boa aparência. Dizer-se moralmente violada por ter que usar batom vermelho é um tanto quanto exagerado", concluiu a empresa.

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Ao Estadão, o advogado da funcionária, Antonio Egiton Sagrilo Vargas, explicou que sua cliente prefere não se manifestar sobre o ocorrido, mas destacou que a juíza atendeu todos os pedidos. Informou também que o valor total ainda não foi calculado, mas que a sentença final deverá sair em até cinco meses. 

Na decisão em primeira instância, a juíza Katarina Roberta Mousinho destacou que, segundo a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Belém/PA 1994), "violência contra a mulher é qualquer conduta baseada no gênero, que causa morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública como na esfera privada. Ainda, conforme o artigo 6º, o direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros, o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação". 

A magistrada citou também a Recomendação nº 128, de 15/02/2022, do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda a adoção do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, atendendo ao Objetivo 5 da Agenda 2030 da ONU, que trata de todas as formas de discriminação de gênero. Mencionou na sentença a Lei nº 9.029/1995, que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros.

"Ressalte-se que, há dificuldade da prova do assédio moral em casos como esse, nos quais a violação é naturalizada e os comportamentos são socialmente aceitos, mesmo assim, a reclamante trouxe prova testemunhal de suas alegações. Cabia à reclamada provar que tomou ativamente medidas necessárias para evitar ou coibir agressões decorrentes do fato da reclamante ter tatuagem nas pernas e precisar cobrir para utilização do modelo feminino de uniforme", atentou a juíza.

Por fim, Mousinho entendeu que "houve tratamento vexatório e humilhante reiteradamente como rotina, atentando contra a dignidade da trabalhadora, ocasionando profundo abalo psicológico". Atestou que a conduta da reclamada "constitui ato ilícito a ensejar dano de caráter imaterial ao patrimônio do indivíduo, integrado por direitos da personalidade, dentre os quais se elencam, a intimidade, vida privada, imagem e honra, tidos como invioláveis e asseguradas constitucionalmente".  

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