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Tribunal manda PF devolver boné e pares de tênis de vereador acusado de ‘estelionato previdenciário’

Por unanimidade, desembargadores do TRF-5, no Recife, acolheram argumentos da defesa e ordenaram o desbloqueio de pertences apreendidos na casa e no gabinete de Gaturiano Cigano (União Brasil) na Câmara de Petrolina em investigação sobre fraudes previdenciárias estimadas em R$ 100 milhões; defesa diz que apreensão ‘extrapolou os limites da ordem judicial’

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Foto do author Rayssa Motta
Foto do author Fausto Macedo
Atualização:

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Recife) determinou a devolução dos bens do vereador Gaturiano Cigano (União Brasil), apreendidos pela Polícia Federal na Operação Errantes - investigação deflagrada em 2002 em Petrolina, no sertão pernambucano, a 700 quilômetros do Recife, para conter fraudes previdenciárias estimadas em R$ 100 milhões.

Gaturiano Cigano (União Brasil) é suspeito de integrar quadrilha envolvida em fraudes contra a Previdência Social Foto: Reprodução

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Os desembargadores da 2ª Turma do TRF-5 entenderam que ‘a mera suposição de que os bens poderiam ter origem ilícita, sem apontar elementos concretos nesse sentido, não atende o requisito legal’ previsto no artigo 126 do Código de Processo Penal. Tal artigo exige indícios veementes da proveniência ilícita para justificar a manutenção da apreensão.

Gaturiano é acusado de estelionato previdenciário. Ele foi o principal alvo da Operação Errantes. Na ocasião, a PF fez inspeção em seu gabinete na Câmara de Petrolina - município do sertão pernambucano, a 700 quilômetros do Recife - em busca de documentos que o ligassem a uma quadrilha especializada na obtenção indevida de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) - um salário mínimo pago pelo INSS a pessoas com mais de 65 anos ou portadoras de deficiência.

A decisão do TRF-5 acolhe argumentos da defesa do vereador, a cargo do criminalista Átila Machado, que recorreu ao tribunal sob o fundamento da ‘ilegalidade do cumprimento dos mandados de busca e apreensão’. Átila Machado argumentou que a Polícia Federal ‘extrapolou os limites da ordem judicial’.

Segundo o criminalista, não existe qualquer indício de que os bens do vereador têm origem ilícita.

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As teses foram acatadas pela Justiça e o placar da votação foi unânime. Os três desembargadores federais integrantes da 2.ª Turma decidiram a favor do recurso da defesa de Gaturiano - em março, o ministro Joel Ilan Paciornik, da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, já havia reconhecido que não eram válidos trechos da interceptação telefônica por meio da qual a Operação Errantes monitorou o político.

Ao julgar o pedido de desbloqueio de bens do vereador de Petrolina, o desembargador Luiz Bispo da Silva Neto, relator, apontou em seu voto que ‘a autoridade policial, ao que parece, procedeu à apreensão indiscriminada de diversos bens, incluindo itens que, por sua natureza, não guardam relação evidente com os delitos investigados, como um boné preto e 2 pares de tênis’.

“Tal circunstância indica que não houve uma análise criteriosa no momento da apreensão acerca da pertinência dos bens com a investigação em curso”, advertiu o desembargador.

Outro desembargador, Paulo Roberto de Oliveira Lima, afirmou que a apreensão ‘foi ilegítima, ilegal’. “Há esse hábito dos órgãos de repressão de, quando há qualquer diligência, levar o que encontrar, de fazer uma devassa na casa das pessoas, de levar as mínimas coisas que não têm relação alguma com o caso. Eu acho que o Judiciário deve combater, enquanto puder, esse tipo de atitude”, sugeriu Oliveira Lima.

Os magistrados determinaram a imediata restituição dos bens apreendidos em endereços do político.

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Em nota, o vereador declarou que ‘recebe a notícia (do desbloqueio) como uma reparação histórica, já que foi vítima de perseguição e de preconceito por ser líder da comunidade dos ciganos’. “Essa investigação teve início em denúncia anônima que me acusou da prática do crime de fraude previdenciária, crime que nunca sequer fui acusado de ter cometido.”

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA ÁTILA MACHADO

Em nota, o criminalista Átila Machado, constituído pelo vereador, declarou ao Estadão. “O Tribunal Regional Federal da 5.ª Região reconheceu que a apreensão realizada contra o vereador foi ilegítima, ilegal, uma vez que extrapolou os limites do mandado judicial. A ilegalidade praticada pela Polícia Federal traz consequências para toda investigação. Assim, o abuso no agir da Polícia Federal contaminou toda a investigação e os bens de todos os demais investigados na Operação Errantes devem ser restituídos pela juíza federal de Petrolina.”