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Utilização de informações confidenciais no mercado de trabalho: o que diz a lei?

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Por Maurício Guidi, Carlos E. Strasburg Jr., Natalia Lugero de Almeida e Gabriella Cociolito
Atualização:
Maurício Guidi, Carlos E. Strasburg Jr., Natalia Lugero de Almeida e Gabriella Cociolito. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em uma decisão que gerou bastante repercussão, uma corte da Califórnia condenou um executivo de uma empresa de tecnologia por ter se apropriado de segredos comerciais de sua ex-empregadora. No caso, um engenheiro foi condenado a 18 meses de prisão pela acusação de roubo de segredos comerciais de aplicativos para carros autônomos envolvendo duas gigantes da tecnologia e o cumprimento da sentença se dará após o fim da pandemia de COVID-19.

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Ao se desligar da antiga empresa, o executivo teria copiado 14 mil documentos em seu computador pessoal e fundado sua própria empresa logo em seguida. Essa empresa foi posteriormente adquirida por uma concorrente da antiga empregadora. Com a aquisição, o executivo passou a liderar a área de desenvolvimento de aplicativos para veículos inteligentes, o que gerou entre as duas empresas um impasse jurídico a respeito da transferência de informações confidenciais.

Embora a disputa judicial envolvendo as duas empresas tenha finalizado em acordo milionário, a acusação criminal contra o ex-empregado prosseguiu e gerou a condenação por 18 meses de prisão após um acordo com a promotoria em que ele se declarou culpado.

No Brasil, a questão envolvendo segredos comerciais inclui aspectos cíveis, trabalhistas e criminais. A proteção aos segredos de negócio é regida pela Lei 9.279/96, conhecida como a Lei da Propriedade Industrial, que prevê uma série de condutas tipificadas como crimes de concorrência desleal, dentre os quais se destaca o uso indevido de informações confidenciais obtidas mediante relação contratual ou empregatícia, incluindo o empregado, sócio ou administrador da empresa.

Portanto, no Brasil a conduta praticada pelo ex-engenheiro poderia ser considerada crime de concorrência desleal, cuja pena é de três meses a um ano de detenção ou multa, podendo ser substituída por penas alternativas, como prestação pecuniária, perda de bens e valores ou prestação de serviços à comunidade.

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Por se tratar de crime de ação penal privada, ou seja, cabendo ao ofendido, e não ao Ministério Público, ingressar com tal ação judicial, é comum e frequente que acordos entre as partes levem à desistência do processo criminal, por parte da vítima. Isso porque, a lei brasileira prevê que, em casos desse tipo, a composição civil poderá configurar a renúncia ao direito de queixa ou perdão do ofendido, o que causa a extinção do processo criminal.

Assim, seja em virtude da possibilidade de aplicação de penas alternativas a prisão, seja pelos efeitos de um possível acordo, a questão criminal aqui no Brasil teria um desfecho bastante diferente.

Além disso, todos os atos tipificados como crime de concorrência desleal também ensejam a responsabilidade civil do responsável pela sua prática, cabendo a sua condenação para se abster da prática da conduta ilícita e indenizar pelos danos causados, que poderão ser calculados com base nos artigos 209 e 210 da Lei da Propriedade Industrial, considerando, dentre os seguintes, o critério mais favorável ao prejudicado: (i) os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; (ii) os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou (iii) a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.

Para caracterização do ilícito contido no mencionado artigo 195, inciso XI, da Lei da Propriedade Industrial, é necessário demonstrar que: houve divulgação ou uso de informações confidenciais; não houve autorização; tais informações não são evidentes a um técnico no assunto e as informações foram obtidas mediante relação contratual ou empregatícia.

O prejudicado deve, portanto, comprovar a confidencialidade das informações indevidamente utilizadas. Só são confidenciais as informações armazenadas e tratadas como tais. Assim, é de se esperar que informações confidenciais sejam acessadas por número restrito de funcionários e prestadores de serviço, os quais tenham assinado termo de confidencialidade e que trabalhem diretamente com referidas informações. É recomendável, ainda, a adoção de alguma forma de restrição de acesso aos demais funcionários e/ou prestadores de serviço.

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Em suma, informações confidenciais devem ser objeto de precauções razoáveis, de acordo com as circunstâncias de cada caso, mas que podem variar desde um singelo "confidencial" no e-mail de encaminhamento do documento até mesmo a restrições físicas e eletrônicas de acesso a pessoas não autorizadas.

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A proteção legal está, ainda, restrita às informações não evidentes a um técnico no assunto. Significa dizer que informações ordinárias, que podem ser obtidas e/ou deduzidas por uma pessoa versada no assunto com razoável facilidade, não merecem proteção legal.

É necessário demonstrar que tais informações foram obtidas mediante relação contratual ou empregatícia. O fato de um empregado e/ou prestador de serviços fazer uso da sua posição na empresa para obter segredos comerciais caracteriza grave violação do dever de confiança e boa-fé nas relações. O legislador visou, com o artigo 195, inciso XI, da Lei da Propriedade Industrial, justamente punir essa prática condenável, preservando a leal concorrência entre as empresas.

Do ponto de vista trabalhista, dois aspectos têm relevância: (i) tanto a confidencialidade; (ii) quanto à vedação de concorrência com o empregador. Inicialmente, o caso destaca a importância de que todos os empregados e prestadores de serviço com acesso a informações sensíveis assinem um termo de confidencialidade, reconhecendo e se obrigando a resguardá-las, mesmo após o término da relação contratual. Além disso, é recomendável que a empresa tenha uma política sobre o uso de informações confidenciais, estipulando, por exemplo, a forma de envio e armazenamento de tais informações (por exemplo: sempre marcadas como "CONFIDENCIAIS", vedando que funcionários armazenem tais informações em pen-drives, vedando o envio de tais informações para a caixa postal pessoal do funcionário, entre outras práticas).

Tais práticas são recomendáveis, pois, em uma eventualidade de uso não autorizado de informações confidenciais, fica mais fácil comprovar que determinado empregado e/ou prestador de serviço agiu de maneira deliberada, violando a política da empresa sobre o uso de informações confidenciais, o termo de confidencialidade e a própria lei. Em suma, tais precauções demonstram a adoção de medidas razoáveis pela empresa visando a proteção de seus segredos de negócio e ajudam a evidenciar a má-fé do empregado e/ou prestador de serviços caso violem tais regras.

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Por fim, o caso igualmente chama a atenção sob o aspecto da não concorrência. A obrigação de não concorrência é inerente ao contrato de trabalho e, inclusive, sua inobservância pode significar a rescisão contratual do empregado por justa causa. Contudo, a dúvida consiste de como fica tal situação após o término do vínculo contratual.

Embora não exista previsão legal específica no Brasil, o entendimento predominante é que as empresas podem resguardar o capital intelectual que possuem por meio de cláusulas que estendam a obrigação de não concorrência por um determinado período, desde que exista uma limitação específica e bem definida das restrições impostas e que o ex-empregado receba remuneração correspondente. Nesse cenário, em tese, o direito constitucional à livre iniciativa não restaria violado. Contudo, sem a referida formalização por meio de contrato, as chances de manobra da antiga empregadora contra o ex-empregado seriam bastante reduzidas.

Esses esclarecimentos evidenciam que as empresas brasileiras também gozam de proteção contra o uso não autorizado de suas informações confidenciais e de atos de concorrência, sendo recomendável, contudo, a adoção de medidas e políticas internas mínimas de maneira a melhor resguardá-las do uso não autorizado por empregados e, consequentemente, concorrentes.

*Maurício Guidi é sócio de Pinheiro Neto Advogados

*Carlos E. Strasburg Jr. é associado de Pinheiro Neto Advogados

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*Natalia Lugero de Almeida é associada de Pinheiro Neto

*Gabriella Cociolito é associada de Pinheiro Neto

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