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Opinião | Violência ou inteligência?

Os processos de “lavagem” no volume bilionário dessas transações deixam rastros que conduzem ao centro vital dessas quadrilhas. É por aí que deve se concentrar o trabalho das forças de segurança

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convidado
Por Luiz Henrique Lima

Todos reconhecem a gravidade do problema da segurança pública em nosso país. Há, porém, profundas divergências nos diagnósticos e nas propostas para enfrentar as suas causas.

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Soluções simplistas costumam ser bastante populares e completamente ineficazes. Ao contrário, conduzem ao aumento da violência.

Vocês as conhecem: são repetidas várias vezes ao dia, há décadas, nas rádios, tvs e redes sociais. Armar a população, instituir a pena de morte, clamar pela intervenção das Forças Armadas, combater o “discurso dos direitos humanos” etc. Em síntese, o que se pretende é multiplicar a violência estatal na esperança de vencer uma “guerra” contra os criminosos.

Como observador do tema, e às vezes vítima de delitos diversos, concluo que a repressão não é suficiente e tampouco é a estratégia mais importante para melhorar a segurança. Sou adepto de investimentos maciços na inteligência policial e de medidas preventivas que asfixiem os três principais fluxos que alimentam a atividade criminosa: finanças, armamento e drogas.

Nas últimas décadas, o Brasil testou quase tudo em termos de repressão violenta ao crime, com resultados pífios e até negativos, ao ponto de facções criminosas e milícias controlarem territórios em todas as unidades da federação, nos quais estabelecem uma jurisdição própria, com códigos de conduta, tribunais, arrecadação de tributos e diversas outras regras características típicas do estado, até mesmo previdenciárias, pagando pensões para dependentes de comparsas mortos.

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Nunca me esqueço da cena patética em 2017 de um tanque de guerra com o canhão apontado para uma das favelas mais populosas do Brasil. Imagem simbólica que coloca o povo pobre como inimigo e alvo. Exibição de um poder bélico inútil porque, em sã consciência, jamais seria disparado e, se o fosse, provocaria centenas, senão milhares, de vítimas inocentes, a exemplo do massacre de palestinos em Gaza.

Na realidade, foi uma expressão de fraqueza. Quem apontou um canhão para uma favela dizendo combater o tráfico de drogas ou facções criminosas não demonstrou força. Revelou, no mínimo, que não tinha noção da realidade e não sabia o que fazer. Desperdiçou recursos públicos, colocou em risco a integridade de soldados e expôs os militares ao vexame de não alcançarem resultados efetivos e duradouros. Pouco depois daquela operação, a criminalidade retomou suas lucrativas atividades nos mesmos locais, onde está até hoje.

Além disso, a cultura do enfrentamento violento ao crime produziu inúmeros tipos de distorções, massacres e chacinas, como no Carandiru-SP (1992) ou Jacarezinho-RJ (2021). Há poucos países do mundo em que as polícias matam tantas pessoas como no Brasil, em grande parte indivíduos sem quaisquer antecedentes e até crianças, vítimas de “balas perdidas”. Na sua imensa maioria, negros e pardos. Não é coincidência; é consequência.

Precisamos de menos candidatos a Rambos e mais Nerds atuando na segurança pública.

O armamento pesado em poder dos criminosos não é fabricado por eles. É alimentado por rotas logísticas que precisam ser mapeadas e neutralizadas, assim como as do abastecimento de cocaína e drogas sintéticas. Da mesma forma, os ativos financeiros devem ser identificados, congelados e confiscados. Os processos de “lavagem” no volume bilionário dessas transações deixam rastros que conduzem ao centro vital dessas quadrilhas. É por aí que deve se concentrar o trabalho das forças de segurança.

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Investir na inteligência, não na violência.

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Luiz Henrique Lima
Professor e conselheiro independente certificado. Foto: Arquivo pessoal
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