Vivemos tempos de turbulência constante. Mudanças climáticas, crises humanitárias, pandemias e conflitos geopolíticos desafiam nossa capacidade de resposta coletiva. Esses cenários representam o “novo normal” no qual a Administração Pública deve operar. Assim, surge a pergunta: estamos preparados para governar em meio à incerteza?
O conceito de wicked problems, introduzido por Horst Rittel e Melvin Webber em Dilemmas in a General Theory of Planning (1973), descreve desafios que fogem às soluções tradicionais. Esses problemas não têm respostas claras e exigem colaboração interdisciplinar e de múltiplos atores. Envolvendo causas interligadas e efeitos imprevisíveis, ultrapassam a capacidade de uma única organização ou setor, exigindo novas abordagens em sociedades democráticas.
A Turbulência como Novo Normal
Na década de 1970, quando o conceito de wicked problems foi cunhado, o contexto global era relativamente mais estável. Hoje, a turbulência é permanente. Eventos como a pandemia de Covid-19 e o agravamento da crise climática exemplificam a necessidade de atuação sob constante incerteza.
Um ambiente turbulento é caracterizado por alta variabilidade, interdependência e pressão por respostas rápidas. As crises deixaram de ser isoladas e passaram a refletir realidades sistêmicas e interconectadas. Gestores e formuladores de políticas precisam adotar uma mentalidade inovadora para enfrentar desafios que escapam às soluções tradicionais.
Reconhecendo os Desafios dos Wicked Problems
Os wicked problems apresentam características únicas. Primeiro, possuem causas múltiplas e concorrentes, o que dificulta seu desmembramento para solução. Por exemplo, a crise climática envolve emissões de gases, desmatamento e consumo excessivo, fatores que interagem de forma imprevisível.
Segundo, esses problemas não seguem uma lógica linear de causa e efeito. Soluções podem gerar novos desafios. A pandemia de Covid-19 ilustra bem isso: enquanto as vacinas ajudaram a conter o vírus, problemas como desigualdade no acesso, desinformação e resistências ideológicas emergiram. Por fim, esses desafios extrapolam os limites de qualquer organização ou setor. Problemas como o tráfico internacional de drogas ou a degradação ambiental demandam alianças entre governos, setor privado, ONGs e sociedade civil. Para isso, é essencial uma governança colaborativa, rompendo com hierarquias tradicionais.
O Papel da Liderança em Contextos Turbulentos
A liderança tem papel central em cenários desafiadores. Líderes precisam ser flexíveis e colaborativos, focando em articulação e construção de parcerias. Exemplos inspiradores incluem:
- Copenhague, Dinamarca: Adoção de soluções participativas para enfrentar inundações, como parques que funcionam como bacias de retenção de água, envolvendo governos, empresas e comunidades.
- Kibera, Quênia: Lideranças comunitárias e ONGs implementaram soluções colaborativas de saneamento, como banheiros ecológicos, melhorando a saúde local.
- Associação Biosaneamento, Brasil: Desenvolvimento de soluções descentralizadas, como banheiros secos, em comunidades vulneráveis. Essas ações destacam a importância do engajamento comunitário.
Esses casos mostram que a articulação coletiva é essencial para lidar com a alta complexidade. Além disso, lideranças inclusivas garantem que soluções não perpetuem desigualdades sociais.
Desenvolvendo Capacidades Organizacionais
Enfrentar wicked problems exige fortalecimento das capacidades organizacionais. Isso inclui habilidades para identificar padrões de turbulência e prever soluções eficazes. Formar líderes preparados para articular recursos e construir parcerias é prioritário.
No Brasil, a desigualdade entre organizações públicas é um desafio. Algumas possuem alta capacidade de resposta, enquanto outras enfrentam limitações estruturais. Políticas públicas devem promover equidade na distribuição de recursos e no fortalecimento institucional. Cada crise é uma oportunidade para aprendizado e resiliência. Experiências bem-sucedidas demonstram que é possível inovar, mesmo em cenários adversos.
Estamos Preparados para o Futuro da Administração Pública?
Enfrentar wicked problems exige mais do que respostas técnicas: demanda coragem para romper paradigmas, inovação e colaboração. A turbulência pode catalisar soluções ágeis e eficazes. Para isso, é essencial fortalecer o engajamento, fomentar articulação entre atores diversos e estabelecer parcerias robustas.
A complexidade e a incerteza são oportunidades para inovação e transformação. Nesse cenário, construímos um futuro mais justo, resiliente e sustentável.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica