BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira, 22, ter dado aval à nota em que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, em tom de ameaça, cita “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional" caso o celular do chefe do Executivo seja apreendido. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o chefe do Executivo vai além e diz que, mesmo que haja uma decisão judicial neste sentido, não entregaria seu aparelho.
A solicitação foi apresentada por parlamentares e partidos da oposição em notícia-crime levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que acusam o presidente de interferir na Polícia Federal. Nesta sexta, o ministro Celso de Mello pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre o assunto, o que costuma ser praxe neste tipo de caso.
“Tomei conhecimento do texto (do Heleno) antes da publicação. Eu olhei e falei: o senhor fique à vontade”, declarou Bolsonaro. “Agora, peraí: um ministro do STF querer o telefone funcional de um presidente da República que tem contato com líderes do mundo… tá de brincadeira, comigo?”.
Nos despachos enviados à PGR, Celso de Mello não emite qualquer juízo de valor sobre os pedidos apresentados por opositores a Bolsonaro. O que o decano da Corte pede é que o procurador-geral da República, Augusto Aras, opine se o que os parlamentares estão dizendo nos documentos é pertinente e se caberia a abertura de uma ação penal.
Para Bolsonaro, porém, o ministro não deveria nem cogitar a consulta. “No meu entender, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, nem deveria ter encaminhado ao Procurador-Geral da República. Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê? Alguém está achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?”, afirmou.
Pouco após a entrevista à rádio, em declaração em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou ao assunto. Na ocasião, provocou o STF a tomar providências para descobrir um suposto financiador de Adélio Bispo, autor da facada no presidente durante a campanha eleitoral de 2018. “O que parece que Celso de Mello quer é que fique cozinhando a entrega o meu telefone. Ninguém vai pegar meu telefone. Mas ainda, senhor Celso de Mello, está no Supremo o pedido para abrir o sigilo dos advogados do Adélio. O Brasil quer saber”, disse. O chefe do Executivo ainda fez uma série de elogios Aras, indicado por ele para o cargo no ano passado. "Respeito, admiro, tenho profundo carinho pelo senhor Augusto Aras. Está fazendo um trabalho excepcional do Ministério Público, como nunca se viu na vida. Agora, me desculpe, senhor ministro Celso de Mello, retire seu pedido porque meu telefone não será entregue", disse, sob aplausos de apoiadores que o observavam.
A apreensão do celular de Bolsonaro, de um dos filhos, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), além do depoimento do presidente, foram requisitados pelos deputados federais Gleisi Hoffmann e Rui Falcão, ambos do PT, e pelas bancadas do PDT, PSB E PV.
No governo, é dado como certo que o procurador-geral da República, Augusto Aras, deverá opinar pelo arquivamento das notícias-crimes, mas isso não impediu que Heleno divulgasse a nota em tom de ameaça.
“O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”, diz Heleno, em nota publicada nas redes sociais. O Estadão apurou que a divulgação da nota foi acertada, além do presidente, com os demais ministros-generais do Palácio do Planalto.
Políticos reagem
A nota de Heleno gerou repercussões imediatas no mundo político. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, replicou a publicação do ministro e escreveu "Selva", jargão militar. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também endossou a publicação de Mourão. "Parabéns, @gen_heleno. Tamo juntos"".
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), classificou a fala de Heleno como uma "ameaça". "É inaceitável a ameaça desrespeitosa e autoritária da nota divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. A sociedade brasileira repudia qualquer tentativa de ataque à democracia", disse, em um tweet.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), escreveu que a nota do ministro é uma ameaça ao STF. "Na República, nenhuma autoridade está imune a investigações ou acima da Lei. E na democracia não existe tutela militar sobre os Poderes constitucionais", escreveu.
O vice-presidente nacional do Cidadania, deputado federal Rubens Bueno (PR), rechaçou nesta sexta-feira a postura do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que afirmou nesta sexta-feira por meio de nota que a eventual apreensão do celular do presidente Jair Bolsonaro seria “inconcebível” e teria “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
"A nota infeliz soou como ameaça e qualquer ameaça a democracia precisa ser rechaçada de imediato. O presidente da República vem reiteradamente atacando as instituições e desafiando o bom senso e a Justiça. Ele não está acima da lei e se um ministro do STF viu indícios de crime, Bolsonaro precisa ser investigado. Ele não está acima da lei", afirmou Rubens Bueno.
A senadora Katia Abreu (Progressistas-TO) disse que o ministro ameaçou a democracia. "Muita ousadia e pretensão", escreveu. Seu colega de Senado Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que a manifestação de Heleno demonstra "desespero do Planalto diante da divulgação do vídeo da reunião de ministros". Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também criticou: "Não cabe ao GSI mandar recados ameaçadores a autoridades em uma democracia".
Candidata derrotada à Presidência em 2018, Marina Silva (Rede) disse que a lei vale para todos. "A ameaça do general Heleno ao STF é gravíssima e extremamente preocupante", escreveu.
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