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Câmara fecha legislatura com tentativas de ajuste fiscal, mas deixa legado de aumento de gastos

Economia, finanças, previdência e administração pública estão no top 10 de temáticas que mais viraram norma jurídica; saúde, educação e defesa e segurança ficam em segundo plano

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Foto do author Gustavo Queiroz
Foto do author Natália Santos
Por Gustavo Queiroz e Natália Santos

Projetos de lei sobre economia, Previdência, finanças, Orçamento e administração pública alcançaram protagonismo na legislatura da Câmara dos Deputados que se encerra nesta terça-feira. O predomínio das demandas financeiras convergiu com a promessa do ex-presidente Jair Bolsonaro de fazer um ajuste nas contas públicas, mas medidas tomadas durante o mandato resultaram, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, em um legado de descalabro fiscal pós-eleição.

A consolidação da pauta econômica no Legislativo se deu em meio a uma gestão marcada pela pandemia da covid-19. A emergência sanitária bloqueou a agenda ideológica vendida por Bolsonaro na campanha de 2018 e reforçou a necessidade de mudanças orçamentárias.

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Ao todo, 931 projetos de lei voltados para a economia foram apresentados pelos parlamentares ao longo da legislatura – 49 foram aprovados e se transformaram em norma jurídica. O índice de conversão em lei é de 5,26%. Textos sobre finanças públicas e Orçamento, também econômicos, reuniram 2.823 projetos, com aprovação de 112, ou 3,97%. Temas como saúde, educação, defesa e segurança pública também foram destaque, mas com índices de conversão inferiores a 2,56%.

Os dados, de fevereiro de 2019 a dezembro de 2022, são de um levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), que segue a divisão temática da Câmara e considera propostas do governo federal, de deputados e senadores.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a regulação da economia é uma dimensão central do Estado, e exercida pelo Poder Executivo, mas que dá protagonismo ao Legislativo por causa da necessidade de aprovação dessas propostas. Ela se tornou ainda mais representativa em uma legislatura marcada pela institucionalização do orçamento secreto – mecanismo revelado em série de reportagens do Estadão.

Os exemplos são emblemáticos, sobretudo aqueles que se deram por meio de Propostas de Emenda à Constituição, que exigem mais votos para aprovação. Na lista, estão a PEC que reformou a Previdência, em 2019, e a que turbinou benefícios sociais a três meses da eleição. Houve ainda a aprovação de marcos regulatórios, a privatização da Eletrobras e a independência do Banco Central.

Se, em alguns momentos, buscou-se equilibrar as contas públicas no início do mandato de Bolsonaro ou em meio à pandemia, em outros abriu-se espaço para contornar mecanismos como o teto dos gastos, de acordo com os analistas. Esses movimentos deixam um legado econômico de rombo

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Emendas

Marcos Mendes, pesquisador do Insper, disse que o Legislativo já tem apresentado uma pauta de desestruturação fiscal desde 2019. Ele destacou a criação de emendas impositivas, individuais e de bancada, além das emendas de relator – o orçamento secreto que posteriomente foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) –, como heranças negativas.

“O Congresso conseguiu se impor sobre o Executivo, amealhou muito poder e passou a ditar um momento de despesas que estourou o teto de gastos. O Executivo, por sua vez, também colaborou para este aumento”, disse.

Relação entre Executivo e Legislativo ficou concentrada na agenda econômica. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Para a cientista política da FGV Graziella Testa, a série de projetos aprovados com intuito eleitoreiro em 2022 pode dificultar a construção da governabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva. “A dificuldade de se reencontrar um equilíbrio fiscal gera impacto de longo prazo e atinge a parcela mais pobre da população”, afirmou. “Isso gera pressão sobre o atual governo, que vai precisar focar nessas pautas econômicas e encontrar acordos possíveis com o Congresso, que está mais à direita, para manter a saúde das contas públicas.”

Já a economista do Insper Juliana Inhasz disse que é preciso avaliar as consequências do gasto. “A questão é saber como ele impacta a sociedade. Se é uma política que gera um custo revertido depois em aumento de saúde, educação e de estrutura, é algo positivo. O grande problema é quando se tem custos vazios”, afirmou. Um exemplo é a redução do ICMS dos combustíveis, que pode tirar até R$ 21 bilhões da educação básica brasileira, além de prejudicar reajustes e bônus para professores, segundo estudos do setor.

Saúde

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Por causa da pandemia, o tema campeão de projetos foi saúde, com 4.068 propostas apresentadas – 96 viraram lei. “Essa proliferação de iniciativas diz muito mais sobre o interesse do parlamentar sinalizar seu posicionamento do que sobre o resultado do processo legislativo, de maneira agregada, ou sobre a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo”, disse o cientista político Júlio Canello, do OLB.

No período, ficaram em segundo plano as pautas de costumes prometidas por Bolsonaro, como o fim do aborto legal, e os projetos armamentistas, que, sem sucesso na via legislativa, foram convertidos em decretos presidenciais.

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