BRASÍLIA – Uma crise toda semana. Foi com esse argumento que uma economista, uma dona de casa e um servidor público protocolaram na Câmara dos Deputados, no dia 19 de março, um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Nas 39 páginas da petição são apresentadas notícias e declarações de Bolsonaro que, para os autores do documento, significam ameaças à democracia e à liberdade de imprensa, abuso de poder e até quebra de decoro por parte do chefe do Executivo.
A petição é assinada pela economista Neide Rabelo de Souza, a mãe dela e o irmão, e agora engrossa a lista dos 48 pedidos de impeachment registrados contra Bolsonaro, nos últimos meses, à espera de um despacho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desse total, 24 se referem à participação do presidente em manifestações antidemocráticas, ou à defesa feita por ele do golpe de 1964, como uma atitude passível de enquadramento em crime de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar quem tem financiado esses protestos, que pedem intervenção militar e fechamento do Congresso e da Corte. O presidente, porém, embora tenha participado de sete manifestações, não é alvo. Na semana passada, após o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços de aliados do presidente, o Supremo autorizou a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador bolsonaristas.
Além dos 24 pedidos de afastamento que têm como alvo o envolvimento de Bolsonaro em atos contrários aos alicerces da democracia, outros 20 sustentam que ele cometeu crime de responsabilidade por pregar o descumprimento do isolamento social na pandemia do coronavírus. A alegação, nesse caso, é a de que Bolsonaro trata com descaso a doença, que já matou perto de 50 mil pessoas no País.
O número de pedidos de impeachmet disparou com o início da pandemia. Até fevereiro deste ano foram sete. Depois disso, quando começam as manifestações e a crise na saúde, outros 41 foram protocolados, o que dá um pedido a cada dois dias e meio de março até hoje. “O mandato do presidente Bolsonaro está sendo atípico. É notável que em sua gestão ocorrem percalços significantes e crises no âmbito nacional e internacional”, diz o pedido de impeachment subscrito pela economista Neide.
Chama a atenção um pedido de impeachment escrito a mão por um detento de São Paulo. Em quatro páginas, João Pedro Bória Caiado de Castro diz que “o comportamento do presidente”, com relação à pandemia, “deixou de ser tão somente hilário, passou a ser criminoso e ofensivo à vida de milhares de cidadãos. As ‘piadinhas’ infames e omissões, bem como comportamentos absurdos e criminosos, precisam de resposta”.
Nem mesmo Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foi esquecido nas petições para afastar Bolsonaro. Em uma denúncia também protocolada em março, quatro advogados liderados por Bruno Espiñeira – um criminalista da Bahia – argumentam que a circulação de Bolsonaro por Brasília, na condição de caso suspeito de infecção pelo coronavírus, foi uma “ameaça à segurança interna do Brasil”, algo também previsto na lei de crimes de responsabilidade.
“Em rasa leitura de Freud, como parece não ter resolvido suas fases oral e anal, se apresenta carregado de pulsões de morte. Adora e incentiva o confronto e o conflito, jamais trazendo um minuto de paz que seja à sociedade, permanentemente tensa com a nova asneira do dia seguinte”, descreve a petição.
O pedido de impeachment mais robusto foi apresentado no fim de maio por partidos de oposição. Assinam a peça líderes do PT, PC do B, PSOL, PCB, PCO, PSTU e UP, além de representantes de mais de 400 entidades e movimentos sociais críticos a Bolsonaro, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mesmo assim, as forças de esquerda não agem de forma coesa. Nos bastidores, adversários do presidente avaliam que somente após o fim da pandemia um processo dessa envergadura poderá ir adiante.
Rodrigo Maia tem dito, por sua vez, que é preciso cuidado para não agravar a crise política e criar mais conflitos. “Não podemos por mais lenha na fogueira”, afirmou ele, recentemente.
O número de pedidos de impeachment contra Bolsonaro teve aumento expressivo desde o início da pandemia do coronavírus, em março, quando a Câmara passou a fazer boa parte do atendimento pela internet. Das 48 petições pelo impedimento do presidente, 85% foram protocoladas por meio digital.
Com 998 páginas, um documento protocolado pelo Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero traz um compêndio do que classifica como atuação contra a honra e o decoro do cargo de presidente. “A conduta de Jair Messias Bolsonaro na condição de presidente da República despreza limites vitais do exercício de seu cargo, mediante sua verborragia injuriosa sem filtro”, diz a peça.
Até hoje, um único pedido de impeachment apresentado contra Bolsonaro – o primeiro de todos, ainda de fevereiro de 2019 – foi arquivado. Era um documento também escrito a mão pelo autônomo Antonio Jocelio, que acusava Bolsonaro de manter o País “refém da dívida pública”. Jocelio estendia o pedido aos chefes dos demais Poderes por “omissão”.
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