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Carisma não basta

Depois da derrota de Trump, sai Boris Johnson, o segundo grande representante da onda populista que varreu o Ocidente nos anos 2010

colunista convidado
Foto do author Oliver  Stuenkel
Por Oliver Stuenkel


“A queda do palhaço”, estampou a revista britânica The Economist sobre a renúncia do primeiro-ministro britânico Boris Johnson, na semana passada. O fim da era Johnson, porém, é mais do que isso: a saída do premier representa uma derrota relevante para a insurgência anti-establishment que marcou a última década no Ocidente e levou à ascensão de Donald Trump nos EUA, ao Brexit e a triunfos eleitorais de partidos populistas em numerosos países europeus.

Apesar de sua própria origem privilegiada, ele soube se projetar como veículo para que os eleitores britânicos pudessem mostrar o dedo do meio a uma elite política vista como excessivamente tecnocrata e distante da vida da população.  Foto: Olivier Hoslet/EFE

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A ascensão de Johnson, cuja história é repleta de mentiras escancaradas e escândalos que teriam enterrado qualquer outra carreira política, foi possível porque o primeiro-ministro soube identificar e aproveitar uma onda de sentimento anti-elite e ampla rejeição da classe política. Apesar de sua própria origem privilegiada, ele soube se projetar como veículo para que os eleitores britânicos pudessem mostrar o dedo do meio a uma elite política vista como excessivamente tecnocrata e distante da vida da população. Nesse contexto, a inépcia evidente de Johnson, sua falta de disciplina, a aparência um tanto mal-arranjada e sua falta de interesse em detalhes da gestão pública foram ingredientes essenciais para manter a lei da gravidade política suspensa: o inegável carisma do primeiro-ministro valia mais do que sua incapacidade de explicar, de maneira minimamente satisfatória, de que maneira seu principal legado principal, o Brexit, teria beneficiado os ingleses. Essa incapacidade não deve surpreender: a decisão de fazer campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia não se deu por uma avaliação cuidadosa das consequências do Brexit, mas por um cálculo oportunista sobre como alcançaria o cargo político mais importante da nação em menos tempo. Chega a ser ironia do destino que Johnson, um homem livre de princípios ou convicções políticas, tornar-se um dos líderes britânicos de maior impacto desde a Segunda Guerra Mundial. Agora o país, mais isolado e mais polarizado que antes do Brexit, terá que lidar com o legado de Johnson por anos.

No fim das contas, todo o carisma e a suposta autenticidade que Johnson projetava não foram suficientes para compensar as artimanhas, as explicações estapafúrdias por erros cometidos e as crescentes tendências autoritárias de um mandatário que em nenhum momento provou ter as qualificações básicas para liderar uma nação. Tal como Trump, cuja inépcia foi exposta com a pandemia da covid, Johnson não conseguiu enganar os ingleses por muito tempo. Lideranças ocidentais não tentaram esconder o alívio com a partida do ex-premier. “Não sentirei falta dele”, declarou Bruno LeMaire, ministro das Finanças da França. Em seu pronunciamento sobre a situação na Inglaterra, o americano Joe Biden nem sequer citou o nome de Johnson, a quem já chamara de “clone emocional de Trump.” O único país ocidental onde Johnson deixará saudades, por incrível que pareça, é a Ucrânia, que recebeu amplo apoio diplomático do primeiro-ministro britânico – ainda assim, como seus críticos argumentam, para desviar a atenção da crise interna que ameaçava sua permanência no poder. O adeus de Boris Johnson comprova que carisma apenas não basta. A capacidade de desenvolver políticas públicas sensatas, a disposição de assumir responsabilidade política em momentos de crise e a aceitação do fato de que regras valem para todos, inclusive para o chefe de governo, fazem enorme diferença.

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