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Opinião | A anistia está para negócio, com Bolsonaro, por enquanto, ficando fora do arranjo

Ex-presidente reclama, mas arma-se um acordo: em vez do perdão geral, o ajuste da dosimetria conforme os crimes cometidos, o que não o alcançaria

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Foto do author Carlos Andreazza

A anistia está para negócio. Com Bolsonaro, por ora, sobrando. Ele já sacou o que vai em curso. É sujeito transparente. Só aceita a anistia “ampla, geral e irrestrita.” Anistia para si, pois. Os casos de Debora e de outros condenados a sanções desproporcionais lhe servindo de escada à própria impunidade. Já não lhe servem mais. Não exclusivamente. Bandeira doravante disputada.

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Bolsonaro sacou que a escada agora é outra: a própria anistia. Escada àquilo – o justo – que não quer de jeito algum: a redução das penas dos agentes depredadores do 8 de janeiro. Acomodação – com o Supremo, com tudo – que não o contemplaria. (Não com vistas a 2026.)

A negociação, liderada pelo presidente da Câmara, está deflagrada – e é a isso que Bolsonaro reage. O discurso é autoexplicativo: “Agora, tivemos um ponto de inflexão. Enchendo a bola da minha esposa aqui, que falou muito bem na Paulista, dirigindo-se ao ministro Fux. Ali, no meu entender, foi uma fissura que apareceu. Um outro lado que parecia impossível. A modulação não nos interessa. Redução de penas não nos interessa. O que nos interessa, sim, é anistia ampla, geral e irrestrita”.

Hugo Motta e Davi Alcolumbre ao lado de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Foto: Wilton Júnior/Estadão

Acione-se a tecla de tradução do blá-blá-blá: “Não estou instrumentalizando o flagelo desses sorveteiros-pipoqueiros, gastando meus domingos em manifestações, para ficar de fora do arranjo”.

O arranjo foi encaminhado. Não há fissura. Um suposto racha no tribunal sendo mera expressão do desejo de Bolsonaro. Xandão não deixa. Não está autorizada a divergência na corte constitucional – para que não se arrisque a unidade da bancada. Ponto de inflexão, sim. Arma-se um acordo: em vez do perdão geral, o ajuste da dosimetria conforme os crimes cometidos.

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A intervenção de Fux ensejou as tratativas entre STF, Parlamento e governo. Pela “modulação” que não interessa a Bolsonaro; que perdeu o controle da manipulação da injustiça encarnada em Debora. A inflexão de Fux abrindo terreno ao esvaziamento da carga pela anistia, em troca da revisão de penas. Tem jogo.

Gleisi Hoffmann, articuladora política de Lula, lê os ventos e já disse que toparia discutir a possibilidade, desde que os líderes do movimento golpista – Bolsonaro e seus helenos – não fossem perdoados. Recuaria mais tarde. Recado dado: a bola – para reduzir as punições – está com o Supremo e não haveria grandes resistências.

Teatro dos tarcísios à parte, também a direita – boa parte dos governadores que lhe sobem aos palanques – projeta um porvir sem o ex-presidente na urnas. Ninguém morrerá abraçado à causa impopular – a da anistia – percebida como fachada a agenda egoística, em prol de Bolsonaro, o inelegível. A inelegibilidade do cara dá mais futuro à turma, hoje oposição engessada, que perde tempo em pauta descolada das aflições do povo, que não explora politicamente nem a violência nem a inflação, enquanto Lula, grato, reorganiza-se.

Opinião por Carlos Andreazza

Andreazza escreve às segundas e sextas. Também apresenta, de segunda a sexta, o programa multiplataforma Estadão Analisa. É apresentador e colunista da Rádio BandNews FM. Foi colunista do jornal O Globo e âncora da rádio CBN.

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