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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião | O problema do presidencialismo não é na máquina, mas no maquinista

Velhas e novas restrições ao presidencialismo multipartidário não são suficientes para justificar a sua reforma

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Foto do author Carlos Pereira

Desde a Constituição de 1988, quando se estabeleceu que o sistema político brasileiro combinaria presidencialismo com multipartidarismo, discute-se se esse desenho institucional é equilibrado ou se precisa ser reformado.

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Recorrentemente, defensores de um sistema político supostamente ideal propagam a necessidade de mudança. Agora, a ideia da vez parece ser o semipresidencialismo, defendido inclusive pelo novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.

Esses críticos afirmam que a tarefa do presidente de montar e gerir coalizões majoritárias em um ambiente fragmentado torna o sistema presidencialista multipartidário ingovernável, ineficiente, caro e gerador de crises. A lista de argumentos detratores desse sistema é inesgotável e frequentemente reiterada.

Debate sobre o semipresidencialismo ganhou corpo após aceno do presidente da Câmara, Hugo Motta Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

E para piorar, apontam que reformas recentes teriam severamente enfraquecido o presidente, dificultando ainda mais a governabilidade. Entre as mudanças citadas estão a Emenda Constitucional (EC) 32/2001, que restringiu a edição de Medidas Provisórias, e as reformas constitucionais EC 86/2015, 100/2019 e 105/2019, que tornaram as emendas parlamentares ao orçamento da União impositivas, incluindo a autorização para transferência direta de recursos pouco transparentes aos municípios via emendas Pix.

Entretanto, o argumento da ingovernabilidade do presidencialismo multipartidário, mesmo diante dessas supostas novas restrições, encontra um obstáculo contrafactual: o governo Michel Temer.

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O ex-presidente Temer governou sob praticamente todas as restrições apontadas pelos críticos, incluindo a obrigatoriedade das emendas individuais, uma fragmentação partidária em um patamar quase duas vezes maior do que o atual e um ambiente político conturbado pós-impeachment, no qual parte do Legislativo ainda sustentava a narrativa delirante de golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

Mesmo assim, Temer, embora impopular, teve um governo altamente bem-sucedido no Legislativo, aprovando a maioria de sua agenda, incluindo reformas constitucionais complexas, e barrando dois pedidos de impeachment apresentados pela Procuradoria-Geral da República. Tudo isso a um custo de governabilidade relativamente baixo em comparação com outros governos.

As dificuldades de governabilidade do presidencialismo multipartidário, portanto, não parecem justificativas suficientes para uma reforma sistêmica. Se há necessidade de mudanças, é fundamental que novos argumentos sejam apresentados, pois o problema pode não estar no desenho da máquina, mas sim como ela é operada pelo maquinista.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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