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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Protestos de 2013 fizeram bem à democracia e ao presidencialismo multipartidário brasileiro

Reformas institucionais dos últimos anos constituem um legado positivo das manifestações

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Nesta semana faz dez anos das grandes mobilizações que surpreenderam o Brasil em junho de 2013. Sua interpretação dominante era de que algo não funcionava bem com o sistema político brasileiro. Existia um sentimento difuso de insatisfação com o desenho das instituições políticas.

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Mas, ao contrário dessas interpretações, eu e Marcus André Melo afirmamos no nosso livro Making Brazil Work, também publicado em 2013, que o problema não era de falhas ou de disfuncionalidades no desenho institucional do presidencialismo multipartidário.

Os protestos de 2013 diziam fundamentalmente respeito à reversão de expectativas gerada pela má gestão macroeconômica e pela ausência de políticas públicas de qualidade ofertadas pelo governo Dilma Rousseff. O robusto crescimento econômico dos anos anteriores, especialmente de 2010, quando o PIB foi de 7,5%, inflou ainda mais as expectativas de que seria sustentável.

Manifestantes realizaram protesto na Esplanada dos Ministérios e no Congresso em junho de 2013 Foto: André Dusek/ Estadão - 17/06/2013

Isso se refletiu no nível de endividamento pessoal, especialmente entre emergentes da “nova classe média”. Com a estabilidade econômica e inflação sob controle, o crédito ficou fácil e barato. O boom de crédito pessoal levou a uma escalada sem precedentes da taxa de inadimplência, que aumentou 72% no período.

Questões sobre a qualidade dos serviços públicos também vieram à tona diante das inúmeras dissipações de recursos. As pessoas, por exemplo, protestaram contra a decisão do governo de gastar na construção e reforma de estádios de futebol para a Copa do Mundo da FIFA de 2014. Por outro lado, pouco havia sido feito para melhorar a infraestrutura urbana das cidades. O descontentamento também era expresso por uma carga tributária de 37% do PIB, acima da média da OCDE, diante de um contraste abissal de sub financiamento de políticas públicas.

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Além do mais, existia uma percepção generalizada de corrupção, que passou a ser a preocupação prioritária dos eleitores brasileiros, a frente inclusive do desemprego, inflação ou violência.

Portanto, os protestos foram sobre o desempenho do governo, não sobre a reforma das instituições políticas. As bandeiras das manifestações – pedindo “reformas políticas” – eram enganosas: em pesquisa encomendada pelo Instituto Perseu Abramo, os entrevistados não citaram instituições políticas nenhuma vez quando questionados sobre suas propostas de reforma. Em vez disso, eles apontaram para uma série de reformas destinadas a melhorar a prestação de serviços públicos e reduzir a corrupção.

Interpretar as manifestações como evidência da disfuncionalidade sistêmica das instituições políticas do país é perder de vista o papel que elas desempenharam ao criar as condições para que os cidadãos exigissem uma governança mais responsável, inclusive a partir do combate à corrupção e da alternância no poder por meio de eleições limpas e competitivas.

Com isso não estou argumentando que o sistema político brasileiro não necessite de ajustes aqui ou acolá. Mas estes seriam pontuais e não reformas estruturais que alterem o cerne da sua institucionalização. Ou seja, presidencialismo com presidente forte, combinado com multipartidarismo e instituições de controles independentes tem gerado equilíbrio e estabilidade democrática.

Na realidade, foi esse o espírito que preponderou com a maioria dos ajustes no sistema político que se sucederam após os protestos de 2013. Por um lado, foram rechaçadas as propostas de consulta popular via plebiscito ou referendum para decidir sobre uma reforma que alterasse de forma ampla a estrutura do sistema político.

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Mas, por outro lado, os protestos criaram as condições políticas para que várias reformas pontuais importantes fossem implementadas, algumas delas ainda no governo Dilma. Destacam-se a lei anticorrupção, a lei que define organização criminosa, a que especifica regras para a delação premiada e acordos de leniência, o financiamento público de campanha, a cláusula de desempenho, o fim das coligações proporcionais, a criação das federações partidárias etc.

Os protestos 2013 surgiram, portanto, como uma resposta ao baixo desempenho geral do governo na provisão de serviços públicos de qualidade, à reversão das expectativas econômicas e à sensação de corrupção generalizada dos cidadãos. Os ajustes que vem sendo implementados no sistema político brasileiro até então, com exceção da impositividade da execução igualitária das emendas individuais e coletivas, têm fortalecido ainda mais o presidencialismo multipartidário.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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