Estamos na reta final de uma das mais competitivas eleições para a Presidência no Brasil. A perceptível incerteza sobre quem será o vencedor é mais uma clara evidência da qualidade e da consolidação da nossa democracia. Afinal, não valeria a pena disputar o jogo eleitoral se houvesse certeza da derrota.
Muitos, entretanto, ainda temem que o candidato derrotado não irá respeitar o resultado das urnas. Existem também receios com relação aos riscos de que o processo eleitoral desande para a violência, como a que ocorreu quando o ex-deputado Roberto Jefferson resistiu à prisão e disparou tiros e granadas contra policiais federais.
Em Why bother with elections?, Adam Przeworski demonstra que eleições que acarretam derrota para o incumbente e alternância pacífica de poder são fenômenos relativamente recentes nas democracias. No Brasil, o incumbente nunca deixou de ser reeleito desde a redemocratização. Przeworski argumenta que incumbentes podem não ter controle completo sobre os resultados da eleição, mas é esperado que eles façam de tudo para minimizar a probabilidade de serem derrotados.
Mas quais as chances da reprodução no Brasil de algo similar ao ocorrido nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, com a recusa de Donald Trump de reconhecer sua derrota e incentivar uma invasão ao Capitólio para impedir a transferência de poder para Joe Biden?
Não temos bola de cristal para prever o futuro. Mas a observação atenta dos fatos ocorridos e da estrutura de incentivos proporcionados pelas regras e instituições políticas nos permite formar expectativas do que é mais provável que venha a acontecer.
Quando eleições são administradas por organizações autônomas e/ou Cortes eleitorais verdadeiramente independentes, como é o caso do Brasil, ou mesmo quando incumbentes temem reações de tais organizações de controle e da sociedade contra abusos cometidos na tentativa de permanecer no poder, o grau de liberdade para o não reconhecimento da derrota é menor. Potenciais perdas políticas, financeiras e judiciais para o incumbente e seus familiares podem não compensar.
Por outro lado, quando incumbentes, mesmo perdendo a reeleição, conseguem mobilizar parcela significativa do eleitorado em torno de sua agenda, inclusive alcançando representação expressiva no Congresso que venha a exercer oposição sistemática ao novo governo, tolerar a derrota pode apenas significar “uma dança de cadeiras” temporária, tendo, logo mais na frente, outras oportunidades de retornar ao poder.
Seria racional prever que os custos para Jair Bolsonaro ficariam muito maiores diante de uma contestação do resultado eleitoral sem evidências cabais de fraude, embora tal alegação possa ser um tentador tíquete de saída. Mas isso despertaria ainda mais animosidades das organizações de controle e do próximo governo contra ele. Por outro lado, se cooperar, vai surpreender e colocar os outros em situação mais difícil de constrangê-lo ou de incriminá-lo. Portanto, se derrotado, o mais provável é que Bolsonaro não apenas reconheça a derrota, como também coopere pacificamente com o governo de transição.