Cartão corporativo de Mourão: vice de Bolsonaro gastou R$ 3,8 milhões em 4 anos; veja com o quê

Repetem-se nos gastos do general da reserva despesas em supermercados – alguns deles gourmet –, peixarias e hotéis; Mourão disse que cartão não ficava em sua posse

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) gastou R$ 3,8 milhões com o cartão corporativo da Vice-Presidência da República ao longo dos quatro anos de mandato em que esteve ao lado de Jair Bolsonaro (PL). O general da reserva superou as despesas feitas por Michel Temer (MDB) no mesmo cargo. Somente em 2022, ano em que disputou e venceu a disputa para o Senado, os gastos de Mourão somaram R$ 1,5 milhão.

Os dados disponíveis nos registros do governo federal mostram despesas da Vice-Presidência entre 2013 e 2022. Mourão ocupou o posto de 2019 a 2022; Michel Temer de 2013 a 2016. Em valores corrigidos pela inflação, o vice de Bolsonaro gastou ao todo R$ 4.195.038,46, enquanto o vice de Dilma Rousseff, R$ 3.465.743,62. A diferença de despesas é de R$ 729.294,84.

Ex-vice desempenhava papel diplomático e cumpriu agendas no exterior e também no País, além de chefiar o Conselho da Amazônia. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Temer nunca ultrapassou a cifra de R$ 1 milhão em despesas por ano. Ele ficou perto disso, em 2013 e 2016, quando gastou respectivamente R$ 901 mil e R$ 915 mil, em valores atualizados. Já Mourão superou a marca nos últimos dois anos no cargo.

As principais despesas do ex-vice de Bolsonaro estão relacionadas a alimentação, hospedagens e viagens. Repetem-se nos gastos do general da reserva compras em supermercados – alguns deles gourmets –, peixarias, hotéis, empresas de fornecimento de alimentação a bordo e até clínicas e hospitais, no Brasil e no exterior.

Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e consultados pelo Estadão em parceria com a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas. As informações foram publicizadas com o fim do mandato.

Seis empresas receberam mais de R$ 100 mil cada do vice-presidente ao longo dos quatro anos de governo. São elas: o Mercadinho La Palma (R$ 311.498,83), o Pão de Açúcar (R$ 282.421,49), a Super Adega (R$ 264.391,34), o Big Box (R$ 241.197,16), a Atlântica Hotéis (R$ 204.080,15) e a International Meal Company (R$ 102.071,53), empresa que fornece comissaria aérea.

Mourão também recorria à Ueda Pescados e ao La Palma, empresas que costumavam abastecer o clã Bolsonaro no Palácio da Alvorada. O La Palma, que vende produtos para a alta gastronomia, lidera as despesas do ex-vice-presidente. A peixaria levou R$ 89 mil.

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Gasto ordinário

O cartão corporativo do vice pagou ainda despesas ordinárias. Como R$ 205 na Açaí Capital, loja especializada na venda do produto rico em antioxidantes. Também há gastos de R$ 551 na sorveteria Brazilian Ice Cream e de R$ 1,3 mil na padaria francesa La Boutique. Todos em 2019. Além de R$ 9,3 mil na doceria Sweet Cake.

Ciclista amador, Mourão gastou R$ 518 em lojas especializadas em manutenção e venda de bicicletas em Brasília. Ele costumava pedalar nos fins de semana no entorno do Palácio do Jaburu – residência oficial da Vice-Presidência –, acompanhado de guarda-costas.

Durante viagens internacionais, as maiores despesas eram com hotéis e alimentação aérea. Mas os documentos também registram idas a restaurantes. Em Lisboa, por exemplo, a conta no tradicional Gambrinus foi de R$ 1.043 .

Como vice-presidente, Mourão tinha a prerrogativa de usar o avião presidencial, um Embraer 190 - VC-2, em todos os deslocamentos, para fins públicos ou privados, mesmo agendas de campanha. Essa pode ser uma explicação para as despesas elevadas.

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Ao contrário do antecessor, Michel Temer, que reclamava ser “decorativo”, Mourão desempenhou papel diplomático durante o governo Bolsonaro. Cumpriu agendas no exterior e no Brasil, viajou a posses presidenciais e chefiou o Conselho da Amazônia. Em mais de uma ocasião, organizou viagens com diplomatas estrangeiros à floresta.

Os extratos obtidos pela reportagem mostram uma ampla gama de produtos e serviços adquiridos por Mourão com o cartão corporativo da Vice-Presidência da República. Além de alimentos, diárias de hotéis, remédios e atendimentos médicos, odontológicos e laboratoriais, o general da reserva usou o cartão para locação de carros, compra de sementes, mudas e insumos, material esportivo, lojas de móveis e manutenção do lar.

O uso do cartão corporativo para pagar despesas pessoais é autorizado pelo governo. Como revelou o Estadão, Bolsonaro comprou de medicamentos a material para pesca. O ex-presidente disse várias vezes que não usava a forma de pagamento.

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Notas

Apesar das diretrizes da Controladoria-Geral da União (CGU) para que os órgãos do governo facilitem o acesso a informações públicas, na prática a ausência de normativas específicas permite que setores da máquina pública sigam impondo regras não previstas, que criam obstáculos à consulta a notas fiscais.

Um relatório enviado à reportagem pela Vice-Presidência da República indica que existem 234 processos arquivados em meios físicos, com 3.455 notas fiscais. A reportagem pediu para consultar o acervo presencialmente, uma opção prevista na LAI, mas o governo disse que só poderia dar acesso a cinco arquivos por vez. Dessa forma, a consulta a toda a documentação exigiria 46 visitas ao arquivo.

Outro lado

Procurado, Mourão afirmou que o cartão corporativo não ficava com ele. “Existiam agentes que recebiam suprimentos de fundos, seja para as despesas do Palácio Jaburu, seja para as viagens”, disse à reportagem.

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