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Caso Nikolas Ferreira: pauta contra transição de gênero cresce com projetos de criminalização e CPI

Propostas de novas leis apresentadas na Câmara, Senado, Legislativos estaduais e municipais visam mudar normas atuais do Conselho Federal de Medicina e restringir tratamentos pelo SUS

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Foto do author Adriana Ferraz
Foto do author Natália Santos
Atualização:

Pautas e discursos contrários à transição de gênero ganharam força neste início do ano em Casas Legislativas pelo País, a exemplo da fala do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) nesta quarta, 8, Dia Internacional da Mulher, em Brasília. São projetos em discussão na Câmara dos Deputados, Senado, Legislativos estaduais e municipais. Lideradas por parlamentares conservadores, as propostas preveem dificultar o acesso a menores de 16 ou 18 anos de terapias que antecedem uma eventual troca de sexo, além de punir pais e até criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar serviços existentes.

Hoje, as normas determinadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) estipulam, por exemplo, apenas suporte psicológico a crianças ou adolescentes transgêneros que não atingiram a puberdade. É a partir desta fase, que pode ter início aos oito anos (no caso das meninas) e nove anos (no caso dos meninos), que o bloqueio hormonal tem aval para ser administrado - e com possibilidade de reversão a qualquer momento.

Deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) prega contra o feminismo e a transição de gênero no Dia Internacional da Mulher Foto: Reprodução / TV Câmara

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Projeto apresentado pelo senador Magno Malta (PL-ES) pretende que o ato de “submeter criança ou adolescente a terapia hormonal, tratamento psicológico ou qualquer outro meio não cirúrgico relativo à transexualização” seja considerado crime, com pena de reclusão de oito a 12 anos, e multa. Malta quer mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer ainda que “se o crime for praticado em instituição de ensino”, a pena será aplicada em dobro, com interdição do estabelecimento ou cassação da autorização de seu funcionamento.

Neste ponto, o alvo é o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos), comandado pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. O serviço tem pacientes a partir dos quatro anos e o vereador da capital Rubinho Nunes (União Brasil) pede que seja investigado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

O vereador Rubinho Nunes (União Brasil) protocolou pedido de CPI para investigar serviço oferecido a pessoas trans no Hospital das Clínicas. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Para mim, de forma muito clara e sincera, é completamente absurdo que uma criança seja submetida a esse tipo de procedimento. Pela idade ela não tem capacidade intelectual e mesmo legal para tomar uma decisão irreversível na sua vida”, afirmou o parlamentar. Além de tentar aprovar a abertura de uma CPI na Câmara Municipal, ele tem um projeto no sentido de vetar qualquer tratamento hormonal antes dos 18 anos.

Rubinho Nunes diz que há um “clamor da sociedade” neste sentido. “Muitas pessoas sentem um descontentamento em saber que crianças podem ser submetidas a tratamentos de mudança de sexo. É natural que parlamentares assumam essa pauta, que, aliás, deveria ser uma bandeira da esquerda também”, disse.

Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, dois projetos tratam do tema transição de gênero, ambos propostos por deputados do PL: Capitão Assumção e Lucas Polese. Para eles, as regras atuais do CFM devem ser derrubadas.

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Alesp

Deputados federais e estaduais de São Paulo seguem na mesma linha. Mario Frias (PL) e Julio Cesar Ribeiro (Republicanos), por exemplo, querem aprovar uma lei que permita apenas a maiores de 21 anos – e não 18 – fazer a cirurgia de troca de sexo no Brasil. Já Kim Kataguiri (União Brasil) quer tornar crime o ato de “instigar crianças e adolescentes a mudarem seu sexo biológico”.

Em seu discurso na Câmara dos Deputados, Nikolas Ferreira vestiu uma peruca feminina para ironizar mulheres trans e dizer que essa é uma pauta “imposta” à sociedade. “Estou defendendo a sua liberdade. A liberdade por exemplo, de um pai recusar ver um homem de dois metros de altura, um marmanjo, entrar no banheiro da sua filha sem você ser considerado um transfóbico. Liberdade das mulheres, por exemplo, que estão perdendo seu espaço nos esportes, estão perdendo os seus espaços até mesmo em concurso de beleza, meus senhores. E pensa só isso: uma pessoa que se sente simplesmente algo impõe isso pra você”, afirmou na tribuna da Casa.

A fala do deputado mais votado do Brasil em 2022 gerou reações. Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal considera a transfobia como crime. Com base nisso, a bancada do PSOL na Câmara apresentou uma notícia-crime no Supremo contra o parlamentar.

Já o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Casa para que o discurso seja apurado. Em ofício, a procuradora Luciana Loureiro pediu à Mesa Diretora para averiguar “suposta violação ética”. Ela ressalta que Nikolas usou o tempo na tribuna para, “a pretexto de discursar sobre o Dia Internacional da Mulher, referir-se de forma desrespeitosa às mulheres em geral e ofensiva às mulheres trans em especial”.

Como mostrou o Estadão, especialistas afirmam que o discurso de Ferreira configura crime de transfobia e é passível de apuração também no âmbito da quebra de decoro parlamentar.

Contra-ataque

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), que é trans, diz que o tema transição de gênero deve ser tratado não do ponto de vista ideológico, mas sob a ótica da saúde pública.

“Essa movimentação política é pura perseguição. Estão em busca de palanque e sem qualquer lastro de conhecimento ou reflexão sobre o tema”, afirmou Erica, que tenta aprovar uma lei que pune quem tenta obstruir o processo ou “converter” transgêneros. “Há um número muito alto no Brasil de pessoas trans que se suicidam por não aceitarem seu corpo. O que esses parlamentares sabem sobre isso? Com quantas pessoas trans eles convivem para entender minimamente o processo?”

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), que é trans, tem projeto para impedir a 'conversão de gênero' e combater o preconceito na Alesp Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

A deputada ressalta que ambulatórios como o do HC respeitam as normas vigentes do Ministério da Saúde. “A terapia hormonal invertida (para troca de gênero) só ocorre a partir dos 16 anos e com acompanhamento psicológico. Essa movimentação política é pura perseguição. Estão em busca de palanque e sem qualquer lastro de conhecimento ou reflexão sobre o tema”, alerta.

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Para o cientista político Thiago Coacci, que estuda o tema na Universidade Federal de Minas Gerais, pautas envolvendo crianças conversam com leitores da base e também de fora dela. “Se você reparar como a discussão sobre o tema do gênero é feita, principalmente sobre a transição, vai perceber que, geralmente, o foco são as crianças. Há uma tentativa de se criar uma espécie de pânico moral.”

Em Brasília, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) participa da reação do PSOL contra a fala de Nikolas. O partido entrou com uma representação no STF.