BRASÍLIA - Antes de o presidente argentino Javier Milei se ver alvo de uma investigação por divulgar uma criptomoeda que colapsou, uma polêmica em torno desse tipo de ativo já havia sido acesa no Brasil pelo clã Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) divulgou, cerca de duas semanas após a criação, a Patriota Coin, uma espécie de moeda digital que chegou a subir com o endosso dele, mas que vem sendo desvalorizada desde então.
A controvérsia tem ainda, como pano de fundo, um embate político em torno do Drex, moeda digital em vias de ser lançada pelo Banco Central (BC). Congressistas próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro tentam transformar a medida na nova “crise do Pix” para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – ignorando o fato de ela ter sido gestada durante a presidência de Roberto Campos Neto, escolhido por Bolsonaro para o BC.

Procurada por meio do gabinete, a equipe do parlamentar não se manifestou.
Em 17 de janeiro, o presidente americano Donal Trump lançou a própria criptomoeda. Um sucesso de adesão, mas nem tanto de crítica. Parte do segmento viu na iniciativa uma forma de “manchar” o mercado com uma estratégia totalmente baseada em influência política, algo fora da essência do “bitcoin tradicional”.

Àquela altura, as moedas digitais eram um assunto central para grupos à direita no mundo. O perfil oficial do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) divulgou, em 24 e 30 de janeiro, o lançamento da criptomoeda $BRAZIL, que representaria “o orgulho, a liberdade e a força do povo brasileiro”. As publicações foram fruto de um hackeamento da conta oficial, segundo o entorno do ex-mandatário.
Com o tema em alta, foi a vez de Eduardo Bolsonaro abraçá-lo. Em 1º. de fevereiro, o “zero três” fez um post endossando a Patriota Coin, uma criptomoeda com inspirações bolsonaristas recém-lançada.
O site oficial dela não apresenta donos ou representantes – algo comum no mundo dos criptoativos. Diz apenas que por trás da iniciativa estão “entusiastas de tecnologia e defensores da liberdade” trabalhando para “promover a liberdade e inclusão financeira no Brasil”. Também não informa objetivos ou expectativas de retorno.
Ela é uma “memecoin”, uma moeda meme, uma brincadeira que existe nesse mercado. São criadas por alguém, anônimo, que aproveita um “hype”, uma moda, para lançar a brincadeira. Elas não têm lastro real, são especulativas. O único lastro costuma ser o vínculo de uma comunidade em torno de determinado tema, ou de determinado “meme”.
Quando a brincadeira passa, tudo pode acontecer, inclusive, os pioneiros retirarem todo o dinheiro e deixarem os recém-chegados desprotegidos. Algumas “memecoins” ficaram famosas pela volatilidade extrema. A cripto SQUID, baseada em um jogo da série Round 6, da Netflix, saltou de US$ 2,8 mil para US$ 0,0007 em questão de minutos, nos idos de 2021.
“As memecoins têm agentes que podem ficar ricos quando elas se valorizam, e também podem ir a zero. Eu digo que nem são moedas, são elementos de risco extremamente radicais, as pessoas têm que ter cuidado”, explicou o economista Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e CEO da Amero Consulting. “As criptomoedas foram criadas para serem apolíticas, para não ter governo controlando. Não vemos isso nas memecoins de Trump ou na do Milei”, completou.

Eduardo Bolsonaro fez a publicação às 16h09. Houve uma alta no valor da moeda logo em seguida. Mas a partir das 16h15, as saídas superaram em muito as entradas, e a Patriota Coin entrou em queda, conforme indica o gráfico da plataforma pump.fun.

Em fóruns de criptoativos, o deputado foi criticado por ter divulgado um investimento que pode ter feito muitas pessoas perderem dinheiro com “pump and dump” – subida e queda, em tradução livre.
Com 24 horas no ar, a moeda “Patriota” atraiu mais de 1,2 mil pessoas que aportaram mais de R$ 2 milhões. Hoje, o valor da cripto bolsonarista não passa da metade desse. Só na última semana, a desvalorização foi de 44%.
Na página oficial, a Patriota Coin tenta se desvencilhar do “meme” e se apresentar como algo com solidez. “A Patriota nasceu como uma simples memecoin, mas rapidamente evoluiu para algo muito maior. Impulsionada por uma comunidade visionária de desenvolvedores, entusiastas de tecnologia e inovadores financeiros, a moeda passou por uma transformação completa”, diz a explanação oficial.
Na noite do mesmo dia 1º. de fevereiro, Eduardo Bolsonaro voltou ao assunto. Publicou um vídeo endossando novamente a “moeda patriota”. Desta vez, entretanto, ele a misturou com outro tema que entrou na pauta bolsonarista: a campanha contra o Drex, do Banco Central.
Segundo ele, seu interesse crescente no mundo das criptomoedas está relacionado a uma contraposição à moeda digital oficial do Brasil que está perto de ser lançada pelo BBC. Para os bolsonaristas, o Drex é sinônimo de “vigilância estatal”, “controle social”, “censura”, “fim da liberdade”.
“(As cripto) representam liberdade, o dinheiro fica no seu bolso e não tem como um presidente ou um Banco Central desvalorizar o suor do seu trabalho. Além do mais, facilitação de transações internacionais, transferência sem pagar taxa. Tem muito benefício, muita coisa boa, eu quero estimular o brasileiro a ter esse debate principalmente para contrapor o Drex. Aos poucos vamos falando mais sobre esse assunto”, disse.
A deputada bolsonarista Julia Zanatta (PL-SC) abriu um abaixo-assinado contra o Drex. Segundo ela, a medida vai permitir ao Banco Central o monitoramento das movimentações financeiras dos brasileiros de forma “invasiva”.
“Cada movimento seu será rastreado, e bastará um clique para bloquearam sua conta ou sumirem com seus recursos”, diz no site que recolhe assinaturas.
Eduardo Bolsonaro e outros apoiadores do ex-presidente têm ecoado o abaixo-assinado com mensagens que remetem à “crise do Pix”, quando o governo Lula precisou voltar atrás de uma norma da Receita Federal. Na época, a oposição levantou dúvidas sobre monitoramento de transações de brasileiros e sobre futura taxação da modalidade de pagamento.
O Banco Central afirma que o Drex, também chamado de “Real digital”, não vai substituir o Pix ou a moeda física. A tecnologia é uma plataforma que permitirá transações financeiras digitais, como pagamentos e contratos. As transações vão seguir o mesmo padrão daquelas feitas pelo sistema financeiro tradicional, com os mesmos requisitos de privacidade que existem em pagamentos como Pix e cartão de crédito.