Com base fragmentada e foco em 2026, Nunes enfrenta impasses na Câmara de SP nos primeiros 100 dias

Prefeito tem dificuldades para aprovar projetos, lida com independentes e aliados insatisfeitos e já acumula atritos com vereadores e lideranças políticas

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Foto do author Zeca  Ferreira
Atualização:

Com 100 dias de seu segundo mandato completados na última quinta-feira, 10, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), tem sido alvo de queixas de aliados na Câmara Municipal. Parlamentares governistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a gestão emedebista ainda não conseguiu dar coesão à base aliada e que o prefeito, ao mirar a disputa pelo governo do Estado em 2026, tem se dedicado menos à relação com o Legislativo municipal.

Como o Estadão mostrou, as movimentações de Nunes para disputar o Palácio dos Bandeirantes no próximo ano também têm incomodado o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Entre aliados do emedebista, há a percepção de que ele “subiu no salto”. Um membro da base aliada ouvido pela reportagem diz que Nunes se cercou de ex-prefeitos, em referência à nomeação de ex-mandatários em secretarias municipais, e escanteou os vereadores.

Às vésperas de completar 100 dias de seu segundo mandato, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), tem sido alvo de queixas de aliados na Câmara Municipal Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou em nota que mantém uma relação sólida com a Câmara Municipal, fundamentada no diálogo e no respeito à autonomia dos Poderes. “A gestão municipal está aberta ao debate com o Legislativo, desde que os pleitos não comprometam a previsibilidade orçamentária e a execução de políticas públicas, priorizando o interesse público e a responsabilidade fiscal do Município”, diz o texto.

No último dia 25, o prefeito teve uma reunião tensa com vereadores governistas, após a Câmara quase colocar em votação uma proposta sobre orçamento impositivo. Caso aprovado, o projeto obrigaria a Prefeitura a executar as emendas indicadas pelo Legislativo. Durante o encontro, Nunes cobrou lealdade dos aliados, subiu o tom e afirmou que quem apoiasse as emendas impositivas deveria entregar os cargos no governo.

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O episódio das emendas impositivas não foi o único foco de tensão entre a gestão Nunes e a Câmara. Antes do carnaval, o prefeito tentou aprovar a mudança do nome da Guarda Civil Metropolitana (GCM) para Polícia Municipal. A proposta, no entanto, foi travada e só avançou após uma concessão aos partidos de esquerda, que conseguiram aprovar o fim das votações híbridas – o que, na prática, garante mais poder de obstrução à oposição.

Outro sinal das dificuldades da gestão Nunes em lidar com a Câmara é a escassez de projetos relevantes enviados à Casa. Até a sexta-feira, 4, o Executivo municipal havia encaminhado apenas três projetos de lei neste ano – a proposta de mudança do nome da GCM é de 2017. Um deles altera o logotipo da administração municipal, de “Cidade de São Paulo” para “Prefeitura de São Paulo”; os outros dois tratam de mudanças burocráticas na máquina pública.

Além disso, os três projetos enviados pela Prefeitura e mais de 400 propostas apresentadas por vereadores ficaram parados na Mesa Diretora até o mês de abril, aguardando leitura e distribuição às comissões. A leitura das proposituras é uma etapa simples do processo legislativo: os projetos são apresentados em plenário para dar ciência pública e iniciar formalmente sua tramitação. Sem essa leitura, nenhuma proposta pode avançar nas comissões ou ser votada.

Neste ano, porém, o volume de matérias represadas foi considerado atípico. A causa é tanto técnica quanto política: a leitura dos projetos depende do prolongamento do expediente das sessões ordinárias – o que só pode ocorrer após a instalação de ao menos duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Nos bastidores, a demora nessa definição, que vinha paralisando os trabalhos legislativos, foi interpretada como mais um sinal da falta de coesão na base aliada.

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Após a publicação desta reportagem, a Câmara Municipal de São Paulo informou em nota que não houve nenhuma demora. “Tanto na formação das Comissões Permanentes como na definição das CPIs o que houve foi o tempo de debate entre os partidos, de forma democrática e transparente”, diz o texto.

Parte da dificuldade do prefeito em lidar com sua base passa pela chamada “bancada dos independentes”. Embora sete dos 13 partidos com representação no Legislativo integrem formalmente a base do governo, nove dos 36 vereadores dessas legendas se declaram independentes. Outros 18 parlamentares são da oposição, e apenas um partido se posiciona como neutro.

Essa bancada informal reúne vereadores de direita e extrema direita com agendas próprias – como o bolsonarista Lucas Pavanato (PL) – que, em menos de 100 dias de mandato, já protagonizaram embates com o prefeito. Embora não atuem de forma coordenada nem tenham o mesmo grau de alinhamento com o Executivo, seu papel é estratégico: sem o apoio de ao menos um desses nove independentes, a base de Nunes cai para 27 vereadores.

Isso compromete votações importantes. Para aprovar projetos de lei como o Orçamento municipal, o governo precisa de maioria absoluta, ou seja, 28 votos. Mudanças no Plano Diretor ou nas regras de uso e ocupação do solo exigem 33 votos. Já alterações na Lei Orgânica do Município – a “Constituição” da cidade – só são possíveis com o apoio de 37 vereadores.

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Mas os independentes não são o único desafio. Nunes também precisa lidar com os vereadores ligados ao ex-presidente da Câmara Milton Leite (União), que, embora atualmente afastado do Legislativo, continua sendo uma figura influente na política paulistana. Como mostrou o Estadão, Leite perdeu espaço na Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes após o prefeito nomear um técnico indicado pelo PP para comandar a pasta.

Nos bastidores, a escolha foi interpretada como uma perda significativa para Milton Leite, que historicamente controlava o setor de transportes na cidade. A avaliação entre parlamentares é que os vereadores ligados a ele podem vir a impor dificuldades à gestão. Como gesto de apaziguamento, Nunes nomeou o deputado federal Alexandre Leite (União-SP), filho de Milton, como secretário de Relações Institucionais.

Em nota, a Prefeitura disse que “o secretário Alexandre Leite foi escolhido para o cargo por sua experiência como deputado federal, facilitando a articulação entre a gestão municipal e o governo federal”.