Com pontapé de Trump, bolsonaristas apostam em articulação estrangeira contra eleições brasileiras

Desmonte de agência americana de ajuda externa, viagem de Eduardo Bolsonaro, documentário de ativista português e vinda de emissário da OEA alimentam teorias da conspiração sobre perseguição a Bolsonaro

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Foto do author Guilherme Caetano

BRASÍLIA — Bolsonaristas têm apostado em levar atores estrangeiros para a discussão política nacional, numa nova ofensiva contra supostas fraudes nas eleições brasileiras. Enquanto propagam sem provas a acusação de ter existido interferência externa nas eleições de 2022, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) marcam reuniões com estrangeiros para denunciar o que consideram ser uma perseguição aos conservadores no País.

Um grupo de parlamentares bolsonaristas se reuniu nesta semana com o colombiano Pedro Vaca Villarreal, relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para se queixar do Supremo Tribunal Federal (STF). Na conversa, houve menção aos comunicadores Paulo Figueiredo, Rodrigo Constantino e Allan dos Santos, investigados por ataques à democracia e disseminação de notícias falsas, e a revista Cruzoé, censurada pela Corte após uma reportagem crítica ao ministro Dias Toffoli.

Donald Trump e Jair Bolsonaro em agenda institucional em 2019 Foto: Alan Santos/Presidência da Rep

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No encontro, deputados federais como Marcel van Hattem (Novo-RS), Bia Kicis (PL-DF) e Gustavo Gayer (PL-GO) se colocaram na condição de “vítimas de perseguição” em um cenário de “abusos de autoridade e censura” promovidos pelo STF, em suas palavras.

Integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), a comissão veio ao País a convite do governo brasileiro para fazer um diagnóstico das condições de liberdade de expressão nas redes sociais. Os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Alexandre de Moraes, relator dos processos que tratam dos atos golpistas do 8 de Janeiro, receberam Villarreal.

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por sua vez, viajou aos Estados Unidos para uma série de encontros em Washington com parlamentares trumpistas, a quem ele relata um suposto complô entre a esquerda e o sistema político. Terceiro filho de Bolsonaro, ele tem sido o principal articulador entre as direitas do Brasil e do exterior — atuação que lhe rendeu o cargo de secretário de Relações Internacionais de seu partido.

“O Brasil está tendo um destaque nessa questão do escândalo da USAID, do financiamento e interferência eleitoral no Brasil, principalmente na pauta da censura. Porque eles vendiam como combate à desinformação, o que na verdade era censura cometida por eles com o dinheiro do pagador de impostos americano”, afirmou o deputado em vídeo publicado na internet.

O “escândalo da USAID” mencionado por Eduardo começou dias atrás, num pontapé dado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo bilionário Elon Musk, nomeado chefe do Departamento de Eficiência Governamental em seu segundo mandato. O governo americano está desmantelando a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), desde a década de 1960 uma das principais ferramentas de soft power do país — uma aposta na influência por meio da diplomacia e ajuda humanitária, em detrimento do poder bélico.

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A direita americana tem disseminado a teoria de que a USAID funciona a serviço de opositores. Trump afirmou numa rede social que parte do dinheiro da agência teria sido desviada para financiamento da imprensa visando a publicação de “boas histórias” sobre o rival Partido Democrata. Musk a chamou de “organização criminosa”.

No Brasil, bolsonaristas têm espalhado teorias da conspiração a respeito da atuação da USAID, alimentadas, entre outras coisas, pelas acusações do ex-funcionário do Departamento de Estado Michael Benz. Sem mostrar evidências, ele afirmou numa entrevista que houve intervenção da agência para impedir a reeleição de Bolsonaro em 2022.

Na semana passada, a bolha bolsonarista nas redes sociais efervesceu com o compartilhamento do anúncio de que um documentário contra Moraes, intitulado “Falso Juiz: A história de uma nação nas mãos de um psicopata”, produzido pelo jornalista e ativista de direita Sérgio Tavares e será lançado em maio. As publicações contribuíram para o sentimento de que outros países estão de olho em supostos abusos cometidos no Brasil.

O candidato do PL perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por 50,90% contra 49,10%. As instituições que participaram da fiscalização do pleito, inclusive as Forças Armadas, admitiram não ter havido suspeitas de fraudes. A insatisfação dos eleitores com a derrota descambou numa tentativa de insurreição em 8 de janeiro de 2023, que levou a uma investigação da Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado. Mais de 40 pessoas foram indiciadas, inclusive Bolsonaro e generais.

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A teoria conspiratória corre solta por redes sociais, enquanto arrebata políticos brasileiros e estrangeiros. O senador americano Mike Lee, do Estado de Utah, publicou no X (antigo Twitter), em tom retórico: “Se o governo americano tivesse financiado a vitória de Lula sobre Bolsonaro, isso te incomodaria?”. Musk deu corda: “Bem, o Estado profundo dos Estados Unidos de fato fez isso”.

Desde a eleição americana, Trump se tornou esperança para uma reviravolta no cenário eleitoral brasileiro para 2026. Condenado à inelegibilidade pela Justiça Eleitoral por ataques à democracia, Bolsonaro afirmou no mês passado, em entrevista a uma liderança do partido de extrema direita português Chega, que acredita em uma “interferência do bem” do governo dos Estados Unidos no País, sem explicar como isso se daria.

“O Trump tem dito que sem liberdade de expressão não tem democracia, e ele quer democracia aqui na América do Sul. E ele sabe que se o Brasil de vez continuar nessa ditadura, já estamos com duas patas e um braço lá dentro, e vai interferir, (ter) interferência para o bem”, declarou o ex-presidente na ocasião.

Bolsonaristas têm levantado alguns episódios como alerta para uma eventual revanche do Partido Republicano americano ao sistema político brasileiro. Tanto Jason Miller, ex-porta-voz de Trump, quanto Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, já foram alvo de Alexandre de Moraes – ambos serviram de combustível para os pedidos de reveses contra a Corte.

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