BRASÍLIA – Está em curso uma operação para anistiar o orçamento secreto. O Congresso tentará nos próximos dias convencer o Supremo Tribunal Federal (STF) que cumpriu as determinações envolvendo as emendas parlamentares e buscará uma revisão nas decisões do ministro Flávio Dino para liberar os recursos de interesse dos deputados e senadores.
Não é pouca coisa que está em jogo. O governo herdou R$ 33 bilhões em emendas de anos anteriores que não foram pagas no tempo previsto e que pressionam as contas públicas em 2025. As regras – o que pode e o que não pode – são decisivas para determinar quanto desse dinheiro será pago e quanto será “esquecido”, além de delimitar como funcionará o processo daqui para frente.
Faz parte da articulação a aprovação de projetos de lei que salvam emendas secretas de anos anteriores, “ressuscitando” inclusive verbas do orçamento secreto que foram canceladas pelo governo Lula após as decisões do STF, como o Estadão revelou. Também integra o movimento a ameaça de não votar o Orçamento de 2025 enquanto os recursos não forem liberados, provocando um risco de “apagão” no caixa do Executivo.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, bancou a compra de tratores superfaturados, asfalto com sobrepreço e desvios na área de saúde, além de se somar a um movimento maior de emendas parlamentares que tiraram recursos de áreas essenciais do governo e descumpriram as regras fiscais.
O STF declarou o esquema inconstitucional em 2022. Na decisão oficial, aliás, “esquema do orçamento secreto” foi como a Corte chamou oficialmente o mecanismo. De lá para cá, o negócio foi repaginado, os valores ficaram maiores e o Supremo entrou novamente em campo.
O que o Supremo exigiu em 2024 foi o básico: que seja possível saber qual parlamentar indicou a emenda, para onde foi o recurso e no que foi usado, regras que não foram cumpridas nos últimos anos.
Na emenda Pix, que até hoje movimentou R$ 20 bilhões, só é possível ter alguma informação do que foi feito com dinheiro em 8% dos casos na plataforma criada pelo governo federal para dar transparência aos repasses.
O Congresso busca no STF um novo entendimento. Quer esquecer o passado, liberar as verbas que estão travadas e promete transparência para o futuro. A mesma promessa foi feita em 2022 e não foi cumprida.
O próprio presidente Lula, que condenou o orçamento secreto na campanha eleitoral, mandou pagar verbas herdadas de Bolsonaro e deu aval para o aumento de outros tipos de emendas que abrigam o dinheiro indicado pelos parlamentares.
O ministro Flávio Dino liberou os repasses, determinou o que precisa ser feito, mas ainda não há responsabilização para quem deu causa ao orçamento secreto em 2019, quem articulou a emenda Pix no mesmo ano, quem cortou despesas de aposentadorias para inflar emendas em 2021 e quem driblou as decisões da Corte para repaginar o esquema em 2022.
Na ponta, há investigações envolvendo parlamentares, assessores e prefeitos com suspeitas de desvios de dinheiro público. Os casos poderão virar denúncias e condenações. A dúvida é se regras para dificultar práticas ilegais serão impostas. As emendas mostram que o mote “sem anistia” não pode ficar restrito a quem foi culpado pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas é preciso alcançar também o orçamento secreto.