Análise | Congresso se ancora em emendas e tenta aprovar anistia para o orçamento secreto

Parlamentares tentam convencer STF que cumpriram decisões e cobram revisão do ministro Flávio Dino

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Está em curso uma operação para anistiar o orçamento secreto. O Congresso tentará nos próximos dias convencer o Supremo Tribunal Federal (STF) que cumpriu as determinações envolvendo as emendas parlamentares e buscará uma revisão nas decisões do ministro Flávio Dino para liberar os recursos de interesse dos deputados e senadores.

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Não é pouca coisa que está em jogo. O governo herdou R$ 33 bilhões em emendas de anos anteriores que não foram pagas no tempo previsto e que pressionam as contas públicas em 2025. As regras – o que pode e o que não pode – são decisivas para determinar quanto desse dinheiro será pago e quanto será “esquecido”, além de delimitar como funcionará o processo daqui para frente.

Faz parte da articulação a aprovação de projetos de lei que salvam emendas secretas de anos anteriores, “ressuscitando” inclusive verbas do orçamento secreto que foram canceladas pelo governo Lula após as decisões do STF, como o Estadão revelou. Também integra o movimento a ameaça de não votar o Orçamento de 2025 enquanto os recursos não forem liberados, provocando um risco de “apagão” no caixa do Executivo.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante encontro de prefeitos, em Brasília. Na foto, o presidente da Câmara, Hugo Motta, o presidente Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.  Foto: Wilton Junior/Estadão

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, bancou a compra de tratores superfaturados, asfalto com sobrepreço e desvios na área de saúde, além de se somar a um movimento maior de emendas parlamentares que tiraram recursos de áreas essenciais do governo e descumpriram as regras fiscais.

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O STF declarou o esquema inconstitucional em 2022. Na decisão oficial, aliás, “esquema do orçamento secreto” foi como a Corte chamou oficialmente o mecanismo. De lá para cá, o negócio foi repaginado, os valores ficaram maiores e o Supremo entrou novamente em campo.

O que o Supremo exigiu em 2024 foi o básico: que seja possível saber qual parlamentar indicou a emenda, para onde foi o recurso e no que foi usado, regras que não foram cumpridas nos últimos anos.

Na emenda Pix, que até hoje movimentou R$ 20 bilhões, só é possível ter alguma informação do que foi feito com dinheiro em 8% dos casos na plataforma criada pelo governo federal para dar transparência aos repasses.

O Congresso busca no STF um novo entendimento. Quer esquecer o passado, liberar as verbas que estão travadas e promete transparência para o futuro. A mesma promessa foi feita em 2022 e não foi cumprida.

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O próprio presidente Lula, que condenou o orçamento secreto na campanha eleitoral, mandou pagar verbas herdadas de Bolsonaro e deu aval para o aumento de outros tipos de emendas que abrigam o dinheiro indicado pelos parlamentares.

O ministro Flávio Dino liberou os repasses, determinou o que precisa ser feito, mas ainda não há responsabilização para quem deu causa ao orçamento secreto em 2019, quem articulou a emenda Pix no mesmo ano, quem cortou despesas de aposentadorias para inflar emendas em 2021 e quem driblou as decisões da Corte para repaginar o esquema em 2022.

Na ponta, há investigações envolvendo parlamentares, assessores e prefeitos com suspeitas de desvios de dinheiro público. Os casos poderão virar denúncias e condenações. A dúvida é se regras para dificultar práticas ilegais serão impostas. As emendas mostram que o mote “sem anistia” não pode ficar restrito a quem foi culpado pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas é preciso alcançar também o orçamento secreto.

Análise por Daniel Weterman

Repórter do Estadão em Brasília (DF), com experiência em economia, política e investigação. Participou das coberturas que desvendaram o orçamento secreto, a emenda Pix, as irregularidades cometidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o descontrole no orçamento do Ministério da Saúde. Vencedor dos prêmios IREE, Ielusc e Estadão.

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