BRASÍLIA - Além de suspender investigações em todo o País, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de proibir o compartilhamento de informações de órgãos de controle sem aval de Justiça coloca em risco um projeto do Ministério da Justiça que existe desde 2007. O Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) tem como uma das suas principais funções analisar dados bancários em busca de indícios de irregularidades.
A iniciativa surgiu de uma proposta da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), maior fórum de órgãos públicos e empresas na prevenção e repressão aos crimes de colarinho branco no País, e reúne 43 laboratórios espalhados pelo País. Para a promotora Mylene Comploier, coordenadora da iniciativa no Ministério Público de São Paulo, no entanto, o trabalho agora será prejudicado.
A equipe de Comploier é responsável por fazer uma análise prévia dos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para só então remetê-los aos promotores de Justiça, que podem iniciar uma investigação com os dados. Isso tudo sem passar pela análise prévia de um juiz. “(A decisão de Toffoli) Atinge frontalmente, tanto a atividade do laboratório como as atividades de investigação”, afirmou a promotora ao Estado.
Um dos laboratórios mais antigos no Brasil, na ativa desde 2009, a unidade de São Paulo recebeu mais de 2 mil relatórios do Coaf – enviados por iniciativa própria do órgão – desde que foi criado. A necessidade de autorização judicial para que os promotores passem a usar as informações é um contrassenso, na visão de Comploier.
“É colocar um degrau a mais na investigação. Não é que se quer fugir do Judiciário, mas no mundo inteiro funciona dessa forma”, afirmou a promotora. “Se você demora a tomar uma medida para investigar, pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso.”
Ela rejeita a ideia de que os relatórios representam uma devassa na vida do cidadão. “São operações pontuais, apenas um pontapé inicial”, afirmou Comploier.
Na semana passada, ao atender a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do Supremo suspendeu provisoriamente todos os processos no País em que houve compartilhamento de dados fiscais e bancários com investigadores sem autorização judicial. Para Toffoli, o repasse de informações detalhadas de órgãos como o Coaf, a Receita e o Banco Central precisa da supervisão de um magistrado.
Na decisão, o ministro disse que o Ministério Público “vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC) sem supervisão judicial”, o que ele chamou de “temerário” do ponto de vista das garantias institucionais.
Detalhamento. Coordenador do laboratório do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o promotor Rafael Calhau Bastos admite o impacto no trabalho, mas diz não ser possível saber o quanto vai afetar o projeto. “Ficou uma dúvida. A gente está acostumado a receber relatório (do Coaf) de uma forma, e não sabemos se terá alteração”, disse Bastos.
A dúvida de Bastos existe porque Toffoli definiu que a suspensão valeria apenas para o compartilhamento de dados detalhados. Para o promotor, saber a extensão é importante para que o MP trabalhe apenas com provas que não corram o risco de serem anuladas no futuro.
A coordenadora do laboratório em São Paulo, no entanto, entende que não há como o relatório enviado pelo Coaf não ser específico, já que o documento normalmente detalha dados de uma operação financeira.
O responsável pelo projeto no Ministério Público de Santa Catarina, Márcio Conti Júnior, afirmou que o envio de relatórios do Coaf sem a chancela prévia da Justiça foi suspenso após a decisão de Toffoli, na semana passada.
Os laboratórios também fazem a análise de dados que já passaram pelo crivo do Judiciário. Essa parte não será afetada.
Questionado, o Ministério da Justiça não se manifestou. Integrantes da cúpula da pasta, ouvidos reservadamente, admitem que o projeto terá seu trabalho afetado. A avaliação é de que as análises poderão continuar a serem feitas, mas, quando houver dados do Coaf, as investigações demorarão mais por ter de passar por um “filtro” judicial.
Procurada, a presidência do Supremo não se manifestou até a conclusão desta edição sobre as implicações de sua decisão no projeto. / COLABOROU BRENO PIRES
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.