BRASÍLIA – Deputados bolsonaristas se articulam para barrar o projeto enviado pelo próprio governo ao Congresso, que repassa a deputados e senadores o controle de fatia expressiva do Orçamento de 2020. O acordo com o Legislativo foi costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, na tentativa de estancar a crise em torno da divisão dos recursos orçamentários, mas enfrenta resistência de aliados do presidente Jair Bolsonaro. O impasse tem potencial para alimentar a queda de braço entre o Executivo e o Congresso às vésperas das manifestações, previstas para domingo, em defesa do governo e contra os políticos.
O grupo que se opõe ao projeto é formado por parlamentares da ala ideológica do governo e vem sendo engrossado pela oposição. Na prática, a proposta do Planalto devolve para as mãos do relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), o poder de bater o martelo sobre o destino de até R$ 19 bilhões.
Articulador político do governo, o general Ramos entrou na mira do grupo do vereador Carlos Bolsonaro (PSC) porque, na avaliação do filho do presidente, cedeu demais ao Congresso nas negociações. “Tenho atuado como posso, entretanto é visível que o presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com ego maior que a cara”, postou Carlos no Twitter.
A publicação foi entendida por aliados de Bolsonaro como um recado contra Ramos, que negociou o acordo para a execução do Orçamento com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Não foi só: discípulos de Carlos e do escritor Olavo de Carvalho também expuseram o incômodo com a atuação do ministro, classificado nas redes como “ventríloquo”.
Bolsonaro enviou na semana passada três projetos ao Congresso que garantem ao Executivo autonomia para controlar o ritmo de liberação das emendas parlamentares. Por causa da negociação, o presidente conseguiu que o Congresso mantivesse seus vetos a trechos do projeto de Orçamento impositivo, que davam mais poder ao Legislativo. Logo depois, no entanto, o governo foi criticado por apoiadores nas redes sociais por negociar com o Centrão. Diante das reações negativas, aliados de Bolsonaro passaram a dizer que ele não sabia do conteúdo das tratativas e que, mais uma vez, foi induzido a erro.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, participou do acordo, mas se recusou a assinar um dos projetos, justamente o que concedia ao relator do Orçamento mais dinheiro para distribuir aos parlamentares. Coube ao ministro Ramos assinar sozinho a proposta.
O Estado apurou que, na véspera do envio do projeto, auxiliares de Guedes estiveram na casa de Alcolumbre e também discutiram os detalhes do acordo por WhatsApp. Diante do aumento da pressão nas redes, o ministro optou por não colocar suas digitais no texto, embora em reuniões privadas tivesse defendido um entendimento com o Congresso, com o objetivo de aprovar, mais adiante, as reformas tributária e administrativa.
Se o projeto não for apreciado no plenário nesta semana, movimentos de direita articulam para que as manifestações de domingo cobrem a rejeição dessa pauta. A estratégia reforça ainda mais a agenda anti-Congresso.
No sábado, Bolsonaro fez uma convocação para os protestos durante discurso em Boa Vista (RR). Na ocasião, o presidente sugeriu estar sendo chantageado. Disse que já levou “facada no pescoço dentro do gabinete por pessoas que não pensam no Brasil, pensam neles apenas”.
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) disse que votará “por convicção” contra o projeto que garante recursos para o relator do Orçamento, mas se posicionará a favor da proposta que regulamenta o Orçamento impositivo. “Eu sou contra qualquer tipo de emenda parlamentar”, disse ela. Sua colega Bia Kicis (PSL-DF) também confirmou que a tendência é votar contra o projeto que devolve recursos para as mãos do relator. “Temos uma reunião amanhã (hoje), mas a princípio a ideia é votarmos contra”, afirmou.
A equipe de Paulo Guedes está tensa com o desfecho da votação, porque depende desse resultado para investir na pauta da agenda econômica. Não se sabe ainda como o imbróglio vai terminar, o que torna o cenário ainda mais incerto para o envio das propostas de reforma tributária e administrativa ao Congresso. Nos bastidores, porém, líderes de partidos avaliam que, se o governo quer aprovar as reformas, não pode “sabotar a política”.
A queda de braço já dura semanas e, nesse período, a relação de Guedes e Ramos azedou. Depois do primeiro acordo, houve uma recomendação do Ministério da Economia para que Bolsonaro vetasse trecho do projeto que passava o controle de R$ 30,1 bilhões do Orçamento ao Congresso. Na época, Ramos disse que não havia feito nada sem o aval de Guedes e do próprio presidente.
No Planalto circula a versão de que Ramos não entendia os detalhes do Orçamento e se concentrou apenas em buscar um bom relacionamento com os presidentes da Câmara e do Senado. Agora, em grupos de WhatsApp já começaram a ser disparados vídeos e textos contra a aprovação do projeto que entrega parte do Orçamento para o relator Domingos Neto.
Um vídeo feito pelo Movimento Vem pra Rua destaca que Neto é uma indicação do presidente a Câmara. “Tente imaginar em um ano eleitoral todo esse dinheiro nas mãos de um aliado de Rodrigo Maia. E esses destinos certamente vão privilegiar os aliados políticos”, diz o filme, que também cita benefícios para Davi Alcolumbre
As emendas ao Orçamento sempre foram usadas como moeda de troca em votações de interesse do governo. Elas geralmente são destinadas para obras em redutos dos parlamentares e, em um ano de disputas municipais como este, se tornam cada vez mais cobiçadas.
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