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Opinião | Deportações em massa devem gerar mais inflação nos EUA do que guerra tarifária

A depender de quantos estrangeiros Trump será capaz de enviar de volta para seus países de origem, o impacto inflacionário pode ser até maior do que o das tarifas de importação turbinadas

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Foto do author Diogo Schelp
Atualização:

As estratégias do presidente americano Donald Trump para o combate à imigração ilegal e para aumentar as tarifas de importação estão interligadas, como ficou evidente nas duas primeiras semanas do seu mandato.

No imbróglio momentaneamente superado com a Colômbia, Trump usou a possibilidade de imposição de tarifas de 25% sobre produtos do país sul-americano como um porrete ameaçador para fazer Bogotá voltar atrás na recusa em receber deportados em aviões militares.

Donald Trump, presidente dos EUA  Foto: Mandel Ngan/AFP

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Com México e Canadá, a ordem dos fatores foi inversa: Trump anunciou a taxação de 25% sobre as importações desses países para forçá-los a se esforçar mais para coibir a imigração ilegal e o tráfico de drogas através de suas fronteiras.

Se o argumento é esse, diga-se de passagem, o Canadá entrou de gaiato. Em 2024, as autoridades americanas detiveram 1,5 milhão de pessoas tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos via México e apenas 23.721 a partir do Canadá. Neste domingo, 2, depois de o governo canadense informar que irá responder à medida com a taxação de produtos americanos também em 25%, Trump sugeriu que o melhor a fazer seria anexar o país vizinho e transformá-lo no 51º Estado americano.

À parte o discurso de expansionismo territorial do novo presidente americano, que inclui o olho comprido sobre o Canal do Panamá e a Groenlândia, as lideranças mundiais preocupam-se com os impactos econômicos de uma guerra tarifária – da qual nem o Brasil deve escapar, a julgar por declarações recorrentes de Trump. Os efeitos comerciais diretos são evidentes. Os Estados Unidos são o maior mercado importador do mundo e não é fácil encontrar clientes para substituí-lo.

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Há, também, as consequências indiretas de uma política tarifária que tende a gerar inflação interna, seguida de elevação de juros nos Estados Unidos. Isso, por sua vez, adiciona pressão para que os bancos centrais de países emergentes, como o Brasil, também aumentem suas taxas básicas de juros, para evitar a fuga de capitais. Essa dinâmica vem sendo lembrada com frequência quando o assunto é a política de taxação de importação de Trump.

A própria deportação em massa de imigrantes tem grande potencial para elevar a inflação nos Estados Unidos. A depender de quantos estrangeiros Trump será capaz de enviar de volta para seus países de origem, o impacto inflacionário pode ser até maior do que o das tarifas de importação turbinadas. Isso tende a ocorrer em dois estágios. No primeiro, haverá falta de mão de obra em alguns setores, o que levará a uma queda na oferta de produtos e de serviços. Com menos oferta e com demanda igual ou maior, os preços sobem. Um exemplo simples: um em cada dez trabalhadores da agricultura nos Estados Unidos são imigrantes ilegais. Se eles forem deportados, a produção de alimentos vai sofrer para atender o consumo interno e os preços aumentarão.

No segundo estágio, empresas e patrões precisarão elevar os salários para conseguir contratar trabalhadores americanos, que costumam rejeitar as tarefas árduas e mal-pagas normalmente preenchidas por imigrantes. Isso é bom para os trabalhadores, mas pode ser negativo para a economia em geral, se não houver aumento da produtividade. O custo dos salários mais altos precisará ser repassado ao preço final dos produtos ou serviços. Um exemplo: 27% dos cuidadores de idosos ou auxiliares de saúde nos Estados Unidos são imigrantes. Se muitos deles forem expulsos do país, isso encarecerá significativamente as mensalidades dos asilos, a assistência domiciliar e os serviços hospitalares.

Já existe uma tendência de alta nos salários americanos, principalmente para os trabalhos menos disputados e de baixa qualificação. Afinal, o país tem uma taxa de desemprego baixa, de 4,1% em dezembro de 2024, e em alguns setores há muitas vagas em aberto. É o caso da construção civil, que tem 288.000 postos não preenchidos. Por enquanto, os salários crescem em uma proporção maior do que a inflação, mas a prometida deportação em massa de imigrantes tende a mudar essa conjuntura.

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O Peterson Institute for International Economics fez estimativas do impacto inflacionário da deportação em massa em dois cenários. No mais ameno, com a expulsão de 1,3 milhão de imigrantes sem visto, a inflação teria um acréscimo de 0,35 ponto percentual em 2025 e 0,54 ponto percentual em 2026. Se Trump se aproximar de sua promessa de campanha e conseguir deportar 8,3 milhões de pessoas, porém, a estimativa é de um aumento de cerca de 2 pontos porcentuais na inflação de 2025 e de 3,5 pontos percentuais em 2026.

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Em comparação, na hipótese de Trump impor uma tarifa de importação média de 10% sobre os produtos de todos os países, a inflação americana aumentaria entre 0,5 e 0,6 ponto percentual em 2025 e em 2026, segundo a estimativa do Peterson Institute. (Lembrando que Trump apenas começou a anunciar sua política de taxação de importação para países específicos, como México, Canadá e China, e que a tarifa média global que ele atingirá é uma incógnita. Pode acabar sendo inferior ou superior aos 10% prometidos na campanha.) Em resumo, no cenário mais extremo, acreditando nas promessas de Trump, as deportações em massa teriam um impacto inflacionário muito maior do que a elevação de tarifas de importação.

A questão é se a gestão Trump terá capacidade de acelerar significativamente as deportações. Para atingir o total de 8,3 milhões de deportados, ele precisaria expulsar do país 2 milhões de imigrantes ilegais anualmente, sendo que nos últimos anos o país mal conseguiu atingir a marca de 400.000. É provável que não alcance seu objetivo em termos numéricos, mas se fizer bastante alarde e produzir cenas impactantes de imigrantes acorrentados e maltratados em aviões militares, talvez consiga dissuadir outros estrangeiros sem visto de tentar a sorte nos Estados Unidos. Eventuais problemas que podem ser gerados para a economia americana ficam para serem resolvidos depois.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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