Stephen M. Walt, um dos mais influentes cientistas políticos da atualidade, publicou em 2010 um curto e provocativo artigo intitulado “Defendendo o indefensável: um guia prático”. No texto, ele observa que autoridades e simpatizantes tornam-se “apologistas” quando se veem obrigados a justificar ações governamentais que são claramente erradas ou contraprodutivas. Walt expõe a evolução de um discurso apologético em 21 passos, que começam com a negação pura e simples (“não fizemos isso!”), passa pela confirmação do ato seguida de uma minimização das consequências (“os resultados podem ser imperfeitos, mas a intenção era nobre”) e termina com a defesa escancarada do indefensável (“um dia o mundo vai nos agradecer”) e com ameaças (“se ficarem criticando, vamos ficar bravos e fazer algo realmente maluco”).

O cenário político nacional e internacional está cheio de mestres da apologia. Um deles, Donald Trump, acabou de assumir a presidência do país mais poderoso do mundo e estabeleceu um nível nunca antes visto na arte de defender o indefensável. Houve vários exemplos nas últimas semanas, mas o ápice foi sua sugestão de expulsar de vez os palestinos da Faixa de Gaza, com o argumento de que as próprias vítimas seriam beneficiadas pela limpeza étnica.
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O presidente americano faz parte de uma linhagem de políticos que se orgulha de defender ideias claramente erradas. Ou, em outras palavras, de destruir consensos que foram construídos ao longo de muitos anos, com muito esforço e negociação. No Brasil, essa linhagem política está bem estabelecida desde 2018, quando Jair Bolsonaro venceu a eleição para presidente. Ele e seu grupo político se orgulham de ir contra consensos institucionais, internacionais, científicos e sociais. Uma banana para a democracia, para o multilateralismo, para as vacinas e para os direitos de minorias e das mulheres. A tática é repetir absurdos com naturalidade até que se tornem aceitáveis.
Hugo Motta, novo presidente da Câmara dos Deputados, absorveu o estilo apologista de Trump, Bolsonaro e companhia. Sem rodeios, defendeu o direito dos parlamentares de despejar dinheiro de emendas em seus redutos eleitorais, mesmo quando municípios ou regiões vizinhas que precisam mais não recebem nada. Afirmou que quem quiser destinar recursos do orçamento deve entrar num partido, se candidatar e ganhar. Ou seja, errado não é a farra das emendas, errado é não fazer parte dela. Ao tratar dos condenados pelo 8 de janeiro, Motta disse que não foi golpe, fingindo não saber o que a PF descobriu sobre os incentivadores dos acampamentos em frente aos quarteis. Passo 1 da lista de Walt: negação.
O maior orgulho de estar errado de Motta, porém, transpareceu em sua crítica à Lei da Ficha Limpa. “Oito anos de inelegibilidade é muito tempo”, disse ele. E é para ser, mesmo, pois o objetivo da lei é dissuadir políticos e gestores de cometer condutas antiéticas. Reduzir esse tempo para dois anos, como querem alguns parlamentares para favorecer Bolsonaro e a si próprios, acabaria com o propósito de uma lei que foi fruto de consenso político e do desejo da sociedade há quinze anos. Enquanto distribui afagos para os dois lados do espectro político, Motta está preparando o terreno para fazer o errado com orgulho.