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Análises sobre o estado geral da nação

Opinião | Por que a ‘direita limpinha’ é tão odiada por bolsonaristas e petistas

Enquanto Bolsonaro critica a direita democrática por medo de que ela possa substituí-lo, a esquerda busca colocá-la no mesmo balaio da direita golpista

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Foto do author Diogo Schelp

O filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983), referência do pensamento liberal, identificou duas formas de conservadorismo. A primeira, democrática, compreende que as tensões políticas e sociais jamais serão inteiramente sanadas, mas que é possível reduzi-las com reformas graduais. A segunda persegue uma ordem eternamente válida, sustentada por um conjunto de valores absolutos, inquestionáveis. Esse tipo de conservadorismo pode ser tão autoritário quanto as vertentes revolucionárias da esquerda. Ele exige adesão completa, sem concessões, negociações ou meio-termo, ao movimento que promete a redenção final.

Civilidade, diálogo, respeito à diversidade de ideias e preocupação com o bem comum, por sua vez, eram algumas das qualidades que Aron atribuía ao conservadorismo afeito à democracia liberal. Na semana passada, Jair Bolsonaro usou uma expressão lapidar para classificar essa forma de conservadorismo, ainda que ele a tenha pensado originalmente como ofensa. A “direita limpinha”, definiu o ex-presidente com desprezo, tem “boa vontade” (preocupação com o bem comum), faz “gestinho para lá e para cá” (civilidade, diálogo), mas “não tem como enfrentar, hoje em dia, o sistema” (não substituirá a ordem estabelecida pela ordem eternamente válida).

Tanto apoiadores de Lula quanto Bolsonaro e seus aliados criticam a 'direita limpinha' Foto: Wilton Junior/Estadão

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Bolsonaro evidentemente prefere a direita sujinha, que planeja golpes de Estado, aniquila direitos estabelecidos, assassina reputações na internet e conspira com governos estrangeiros contra os interesses do Brasil. Ele tem medo da direita limpinha, pois vislumbra a possibilidade, ainda que negue, de que ela possa substituí-lo com sucesso na eleição presidencial do ano que vem, quando estará inelegível. Com sua insistência em levar até o último minuto sua inviável pré-candidatura, arrisca-se a cometer o mesmo erro de Lula em 2018, quando Fernando Haddad foi a segunda opção petista em cima da hora.

O PT e seus satélites também detestam e temem a direita limpinha, descrita pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), após ser derrotado na eleição para a prefeitura de São Paulo, como a direita que sabe se comportar à mesa. Só Lula, disse Boulos na ocasião, “pode nos livrar da extrema direita”, acrescentando que a que “come de garfo e faca” é “violenta igual”. Ou seja, a esquerda lulista odeia a direita limpinha, esforçando-se para colocá-la no mesmo balaio da sujinha, porque é mais difícil apresentá-la como ameaça à democracia.

Sem isso, as retóricas do “só Lula” e da esquerda como salvação da democracia não colam. Sem isso, é preciso discutir ideias e comparar resultados de gestões públicas.

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Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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