Diretor da CIA disse ao governo Bolsonaro para não mexer com eleição no Brasil, afirma Reuters

Fontes informaram à agência que William J. Burns alertou os ministros Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos sobre falas do presidente durante jantar em Brasília, em julho do ano passado

PUBLICIDADE

Por Gabriel Stargardter e Matt Spetalnick
Atualização:
3 min de leitura

REUTERS - O diretor da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), William J. Burns, esteve em Brasília no ano passado e disse a altos funcionários do governo de Jair Bolsonaro que o presidente deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema de votação brasileiro antes das eleições de outubro, revelaram fontes americanas ouvidas pela Reuters.

Os comentários anteriormente não relatados pelo diretor da CIA teriam sido feitos em uma reunião a portas fechadas em julho, na capital federal, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto, que falaram com a Reuters sob condição de anonimato. Burns foi, e continua sendo, o mais alto funcionário dos EUA a se reunir com o governo de Bolsonaro em solo brasileiro desde a eleição do presidente Joe Biden.

De acordo com as fontes ouvidas pela agência, Burns chegou a Brasília seis meses após o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio. Na época do ataque, Bolsonaro chegou a reproduzir algumas das alegações do ex-presidente americano Donald Trump sobre o resultado das eleições americanas, e passou a aventar a possibilidade de fraude eleitoral no Brasil, sem apresentar provas.

O diretor da CIA, William J. Burns (direita), deixa o Palácio do Planalto acompanhado pelo embaixador Todd Chapman após reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Augusto Heleno em julho de 2021. Foto: Dida Sampaio/Estadão Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Durante a viagem, o diretor da CIA se encontrou com o presidente brasileiro, com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e com o então diretor da Abin, Alexandre Ramagem, disseram as fontes.

O comentário sobre as falas de Bolsonaro, no entanto, teria acontecido durante um jantar na residência do embaixador americano Todd Chapman, onde estavam presentes Heleno e o ex-ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Segundo uma das fontes ouvidas pela Reuters, Heleno e Ramos tentavam minimizar o significado das repetidas alegações de Bolsonaro sobre fraude eleitoral, quando Burns respondeu que o processo democrático era sagrado e que Bolsonaro não deveria falar daquela maneira sobre o tema.

“Burns estava deixando claro que as eleições não eram um assunto com o qual eles deveriam mexer”, disse a fonte, que não estava autorizada a falar publicamente. “Não foi uma palestra, foi uma conversa.”

Continua após a publicidade

Uma terceira pessoa familiarizada com o assunto em Washington confirmou que uma delegação liderada por Burns disse aos “principais assessores de Bolsonaro” que o presidente deveria parar de minar a confiança no sistema eleitoral brasileiro, mas não tinha certeza se o próprio diretor da CIA havia passado a mensagem.

A CIA se recusou a comentar o assunto, enquanto o gabinete de Bolsonaro não respondeu aos pedidos de comentários da Reuters.

Incomum

É incomum que os diretores da CIA entreguem mensagens políticas, disseram as fontes. Mas Biden capacitou Burns, um dos mais experientes diplomatas dos EUA, a ser um porta-voz discreto da Casa Branca.

No mês passado, por exemplo, Burns disse em um discurso público que, em novembro, quatro meses depois de visitar Brasília, Biden o despachou a Moscou “para transmitir diretamente ao (presidente russo Vladimir) Putin e vários de seus assessores mais próximos a profundidade de nossa preocupação com seu planejamento para a guerra e as consequências para a Rússia” se prosseguissem.

O teor dos comentários em Brasília foi reforçado no mês seguinte à sua viagem, quando o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, visitou Bolsonaro e levantou preocupações semelhantes sobre minar a confiança nas eleições. No entanto, a mensagem da delegação de Burns foi mais forte do que a de Sullivan, disse a fonte de Washington, sem dar mais detalhes.

“É importante que os brasileiros tenham confiança em seus sistemas eleitorais”, disse um funcionário do Departamento de Estado dos EUA em comunicado quando solicitado a comentar, acrescentando que os Estados Unidos estão confiantes nas instituições brasileiras, incluindo eleições livres, justas e transparentes.

Continua após a publicidade

Biden e Bolsonaro ainda não se falaram pessoalmente, mas autoridades em Washington têm procurado melhorar os laços com Brasília nas últimas semanas. Os presidentes podem se encontrar pessoalmente em breve se Bolsonaro participar da Cúpula das Américas de junho em Los Angeles./ REUTERS

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.