Eleição indica Marçal como ameaça a Bolsonaro e revela decepção com Lula, diz especialista

Para cientista político Renato Dorgan, ex-coach representa mais a nova direita internacional do que o ex-presidente, enquanto atual chefe do Executivo não funcionou como cabo eleitoral

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Foto do author Bianca Gomes
Entrevista comRenato DorganCEO do Instituto Travessia

A eleição em São Paulo, que termina com uma acirrada disputa entre três candidatos por duas vagas no segundo turno, reflete cenários nacionais que indicam enfraquecimento das duas principais lideranças do País: o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto o petista não funcionou como cabo eleitoral, Bolsonaro enfrenta uma clara ameaça com o fortalecimento de Pablo Marçal, que disputa palmo a palmo a eleição com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB). As avaliações são do cientista político Renato Dorgan, CEO do instituto Travessia.

Em entrevista ao Estadão, ele diz que Marçal, mais do que Bolsonaro, representa uma direita internacional que ascendeu nos últimos anos, como Donald Trump e Javier Milei, diz que houve um anticlímax em relação a Lula após a eleição de 2022. Na conversa, ele analisa as mudanças trazidas pela disputa de 2024 na capital paulista.

Veja a íntegra da entrevista:

Qual avaliação faz sobre a eleição municipal em São Paulo?

Foi uma eleição conturbada, marcada por poucas propostas e uma discussão limitada sobre os problemas complexos da cidade. O foco ficou muito mais nas ações da gestão Nunes do que nas novas propostas dos outros candidatos. Também foi uma eleição dominada pelo marketing de redes sociais. É importante notar que o Twitter, agora chamado de X, acabou no meio do processo eleitoral, e ele era o principal palco de brigas e discussões, enquanto que a construção e desconstrução de candidaturas se dava muito mais no Instagram e no Facebook. O fim do X fez com que a disputa entre os candidatos migrasse para os debates, que recuperaram sua importância e se firmaram como um espaço de confronto.

O que mudou em relação ao uso das redes sociais pelas campanhas?

A linguagem do marketing político se tornou muito rápida e superficial, com mensagens curtas que empobrecem a discussão política. Isso nos leva de volta ao ponto que discutimos: há poucas propostas. Na minha opinião, o marketing político, ao tentar se adequar a essa nova era, se torna mais pobre a cada eleição.

O cientista político Renato Dorgan, CEO do Instituto Travessia Foto: Alex Silva

Vê alguma mudança para as próximas eleições?

Na disputa deste ano, os programas de televisão tiveram muito menos relevância do que no passado. Embora muitos analistas digam que Nunes se consolidou a partir de sua aparição na TV, isso já não parece ser suficiente para definir a eleição.

No início da eleição, havia uma expectativa de que teríamos um terceiro turno entre Lula e Bolsonaro. No entanto, isso não se concretizou. Por quê?

Sempre fui cético em relação à polarização nas eleições municipais, pois, nos últimos anos, as pesquisas qualitativas mostraram que Bolsonaro e Lula não são os “superstars” que muitos acreditam. A eleição de 2022 teve quatro tipos de eleitores: os apoiadores de Lula, os de Bolsonaro, os anti-Lula e os anti-Bolsonaro. Embora tenham força eleitoral, ambos enfrentam alta rejeição, e muitos eleitores saíram traumatizados de 2022. Por um lado, houve um anticlímax em relação a Lula. O discurso de que tudo iria melhorar se desfez este ano, com a queda do poder de compra, gerando uma certa decepção.

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No caso de Bolsonaro, sua ausência no pós-eleição e os desgastes causados pelas irregularidades que surgiram no primeiro semestre de 2023 provocaram frustração, especialmente entre os mais radicais. A expectativa de que eles seriam cabos eleitorais decisivos não se concretizou. A influência de Lula e Bolsonaro é determinante em eleições que chegam empatadas. No entanto, na maioria das cidades médias e pequenas do Brasil, a discussão central gira em torno do desempenho da prefeitura: se ela está indo bem ou mal.

Qual tema resume a eleição em São Paulo?

No início, parecia que o foco seria a segurança. Mas surgiu um novo elemento: Pablo Marçal. Ele foi o tema da eleição.

O que explica o fenômeno Marçal e qual sua diferença para o Bolsonaro?

Bolsonaro nada mais é do que a reedição da direita brasileira até os anos 1980. É o que sobrou da ARENA. Ele representa o conservadorismo clássico brasileiro. Não é nada de novo; é apenas uma figura desenterrada do passado. Já o Marçal está realmente conectado com o fenômeno da direita internacional. O Bolsonaro foi uma solução analógica da direita. O Marçal, não. Marçal é o Movimento 5 Estrelas, é Javier Milei, Donald Trump. Trump é um verdadeiro outsider, um milionário do entretenimento, não alguém da política tradicional, como Bolsonaro. Com Marçal, agora, sim, o que está acontecendo lá fora chegou ao Brasil.

Você vê diferenças nos públicos de Bolsonaro e Marçal?

Nas pesquisas qualitativas, percebo que a população LGBT e as pessoas negras não nutrem tanta raiva de Marçal quanto de Bolsonaro. Marçal flutua na pobreza, atrai jovens de classe D que o enxergam como alguém que veio de baixo, superou dificuldades e venceu. O Marçal encarna o sonho brasileiro como o Trump é o sonho americano.

Podemos considerar o Marçal um representante genuíno da direita?

Ele representa a direita internacional. E essa direita não é militarizada. Marçal não menciona a ideia de golpe militar, embora essa noção esteja presente ao seu redor. Ele é um anarcocapitalista, alguém que reconhece os problemas do capitalismo, mas defende o “se adapte a ele e combata os sujos”. É muito mais parecido com Jânio Quadros; é um vendedor de sonhos e ilusões.

Marçal é uma ameaça ao Bolsonaro?

É uma ameaça total ao Bolsonaro. Jovens como Nikolas Ferreira, André Fernandes (candidato à prefeitura de Fortaleza) e Abílio Brunini (candidato a prefeito em Cuiabá) não seguem o estilo de Bolsonaro, mas sim o anarcocapitalismo, como Marçal. Nikolas, por exemplo, se assemelha mais a Marçal do que a Bolsonaro, o que facilita a aglutinação dessa nova geração em torno dele.

O que esperar para o segundo turno?

O Marçal enfrenta o problema da rejeição, tornando o segundo turno uma grande dificuldade para ele. Se for contra o Nunes, é uma eleição praticamente perdida para o Marçal. Com Boulos, a discussão de 2022 será reaberta e não sabemos o que pode acontecer. Acredito que tanto Bolsonaro quanto Lula estão em queda, o que transforma essa eleição em um cenário aberto, onde qualquer um dos dois pode sair vitorioso. Um segundo turno Boulos e Marçal será uma nova eleição.

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Como você avalia o desempenho de Boulos nesta eleição? E por que ele não conseguiu conquistar a hegemonia na periferia mesmo com apoio do Lula?

Boulos construiu sua estratégia em torno do enfrentamento com Nunes, mas não contava com a entrada de Marçal. Antes de Marçal surgir, Boulos pretendia se posicionar como o candidato capaz de resolver os problemas da cidade. Mas a chegada de Marçal empurrou Boulos para a bolha da esquerda, deixando a campanha dele sem um rumo claro. Sobre a adesão na periferia, a Marta Suplicy tem a sua forçfs regiões. Se a eleição fosse em 2023, Boulos poderia teria um resultado melhor, porque o custo de vida havia caído naquele momento. Mas como o Brasil caiu economicamente, e as pessoas, na ponta, não estão sentindo uma melhora nas suas vidas, o Lula não funcionou tão bem como cabo eleitoral.

Nunes, com a máquina na mão e a maior coligação, não deveria chegar melhor na eleição?

Em primeiro lugar, Nunes não foi eleito diretamente; quem ganhou foi Covas. Isso fez com que Nunes precisasse se tornar conhecido. Depois, teve que convencer os eleitores de que estava realizando um bom trabalho. Além disso, há um problema de imagem: o carisma de Nunes não se alinha com o que as pessoas buscam atualmente. Seu carisma é mais voltado para o perfil de articulador, típico da política de 20 anos atrás, muito semelhante ao Kassab. Ele tem um problema de imagem. Dificilmente ele vai conseguir emocionar as pessoas. Ele é o candidato do pragmatismo, uma opção para o eleitor que busca segurança.

A Tabata sempre se destaca nos debates e é bem recebida nas pesquisas qualitativas, mas, mesmo assim, não se tornou uma candidata competitiva Por quê?

São Paulo é uma cidade densa, marcada por figuras históricas pesadas, como Maluf, Jânio, Serra e Marta. Para parte do eleitor, a Tabata, com 30 anos, ainda não parece ser prefeita de São Paulo. Não que ela não tenha condições, o eleitor respeita ela. Isso indica que, a médio e longo prazo, ela se consolidará como uma player no cenário político paulistano. Tabata entrou na política bem preparada, o que é semelhante ao que Serra fez no final dos anos 80. Ela é uma tucana clássica. Um dos problemas que ela enfrenta é que os eleitores não sabem se ela é de esquerda ou de direita. Vejo ela como uma democrats. Uma Alexandria Ocasio-Cortez. Há muitos políticos assim na Europa e no Partido Democrático americano, que são qualificados, mas têm dificuldade em conquistar maiorias para o Executivo. Para ganhar em São Paulo, do ponto de vista anímico, de marketing político, ela precisa transmitir mais força. E é inegável que existe o preconceito em relação a ela por ser uma jovem mulher.

Como você avalia o desempenho do PT nesta eleição, com Lula de volta à presidência?

Acredito que o PT sairá bastante derrotado dessa eleição.

Por quê?

Porque não foi o PT que venceu a eleição de 2024; foi o Lula. Eles não entenderam isso. Lula é o grande player eleitoral e, naquele momento, era quem poderia vencer Bolsonaro. O PT não conquistou a eleição, e a rejeição ao partido permanece. O PT enfrenta um problema com os executivos municipais, pois saiu do período da Lava Jato com uma imagem de corrupção. Essa percepção ainda está impregnada, mesmo entre os eleitores de Lula em 2022.

E como será a estreia de Tarcísio como cabo eleitoral?

Ele não foi decisivo nas eleições em São Paulo, tanto nas médias quanto nas grandes cidades.

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